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 | Henry Milleo/Gazeta do Povo
| Foto: Henry Milleo/Gazeta do Povo

Aqui onde a bruma faz a curva, em Curitiba nove entre dez de seus moradores são urbanistas (exceção do nosso prefeito, um engenheiro/urbanista e muito mais), mas dentre os tantos problemas que nos afligem somente um deles não sabemos como resolver: o flagelo das pichações.

Das muitas teorias sobre essa pestilência, deduz-se que o pichador é um espírito de porco. Com o devido respeito aos suínos, quando nos referimos a um espírito de porco estamos falando de um bípede que chafurda nos próprios excrementos. Denunciar os pichadores, assim sendo, não seria tão difícil. Difícil é reconhecer a excrescência no dia-a-dia, quando disfarçada de gente. Bem como um chato, o pichador pode atacar a qualquer momento. Por isso é bom ficar atento com algumas de suas características: aparentemente o espírito de porco é bem comportado à luz do dia e pode até ser confundido com um compenetrado professor universitário. Mas só à luz do sol. Quando a bruma cai, para empunhar a lata de tinta ou spray suas mãos se transformam numa garra de lobisomem. Observe, então, as unhas do suspeito. Sempre imundas, disfarçadamente o asqueroso ainda gosta de chupar o dedo.

Dentre os tantos problemas que nos afligem somente um deles não sabemos como resolver: o flagelo das pichações

Das muitas alternativas civilizadas para tentar conter esse vandalismo urbano – pois provado está que a estupidez não tem limites nem mesmo das alturas –, uma delas seria empenhar a ação dos motoristas de táxi ou de Uber na guerra aos pichadores. Bem dito pelo escritor Ruy Castro, “os táxis estão para as grandes cidades como o sangue para o organismo – são o seu sistema circulatório. Na verdade, sem os taxistas não haveria as grandes cidades. Foram eles que as desbravaram, estenderam os seus limites e nos revelaram os seus segredos”.

Em seus Diários mínimos, coletânea de crônicas, o escritor Umberto Eco faz uma deliciosa caricatura do “chauffer de praça” nas principais cidades do mundo: “O motorista de táxi é um indivíduo que passa o dia inteiro dirigindo no tráfego das cidades – em conflito direto com outros motoristas humanos. Por consequência, é nervoso e odeia as criaturas antropomorfas. Isto pode induzir o ‘radical chique’ a dizer que todos os motoristas são fascistas. Não é verdade, o motorista de táxi não se interessa por problemas ideológicos: odeia as manifestações sindicais não por sua coloração política, mas porque engarrafam o trânsito”.

Confidentes dos boêmios e solitários, anjos da guarda na madrugada, ainda conforme as observações de Umberto Eco, os taxistas são divididos em três categorias: “O que exprime suas opiniões ao longo de todo o trajeto; o que não fala nada, contraído, e só comunica sua misantropia através da forma de dirigir; e o que, se contasse suas histórias num bar, faria o dono do estabelecimento mandar embora o narrador, dizendo que já é hora de ir para a cama”.

Quando conheceu o Rio de Janeiro, Umberto Eco guardou uma forte impressão da Cidade Maravilhosa, ao chegar vivo a Ipanema: “Se colocarmos em disputa um motorista de táxi de Frankfurt ao volante de um Porsche e um motorista do Rio pilotando um Volkswagen caindo aos pedaços, o motorista do Rio vai chegar primeiro, porque não para nos sinais vermelhos. Se parasse, seria abalroado por outro Volkswagen caindo aos pedaços, pilotado por rapazinhos que, além do mais, ainda esticam a mão para fora da janela e tiram o seu relógio do pulso”.

Embora Umberto Eco tenha conhecido Curitiba nos anos 1970, os condutores de ontem e de hoje são os mesmos aos quais se refere Ruy Castro. De Uber ou de táxi, são eles os vigilantes que no silêncio da madrugada podem revelar os segredos e artimanhas dos solertes pichadores que atacam a cidade em pleno sono, e ainda pelas costas.

Seja ele Gabriel, Ariel, Miguel ou Rafael, para limpar a cidade o prefeito precisa convocar os anjos da madrugada.

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