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| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Ao lembrar sua passagem como prisioneira da ditadura militar e dizer que aprendeu, na escola, a não gostar de Joaquim Silvério dos Reis, o delator da Inconfidência Mineira, pouco antes de ser apeada Dilma Vana Rousseff reconheceu que é preciso buscar na história alguns exemplos para explicar os acontecimentos recentes.

A ex-presidente devia ter razões inconfessáveis ao dizer que não respeita os delatores. Apesar de ter sido justamente ela que sancionou a lei reguladora do instituto da delação premiada (Lei 12.850/ 2013), instrumento traiçoeiro que já derrubou muita gente ao longo da história. Para o bem ou para o mal, começou quando Adão e Eva foram delatados em troca de um pomar; chegou aos 30 dinheiros de Judas Iscariotes; e ganhou força na Rússia Imperial, quando Pedro, o Grande, sancionou em 1713 a lei das “delações premiadíssimas”.

A ex-presidente devia ter razões inconfessáveis ao dizer que não respeita os delatores

O decreto ordenava que todos os delatores seriam recebidos pessoalmente pelo czar, em qualquer caso de corrupção no governo. O prêmio para o delator seria toda a fortuna e demais propriedades do acusado, caso a alegação se provasse verdadeira. Isso podia ser perigoso demais para as pessoas: o delator tinha de se apresentar e provar suas alegações e, se elas fossem falsas, quem perdia a cabeça era o acusador e não o acusado. O resultado foi uma enxurrada de cartas anônimas, a maioria com o propósito de acertar contas pessoais.

A corrupção predominava em todos os escalões do império. Principalmente junto à família imperial. Certa vez, conta o biógrafo Robert K. Massie, após ouvir o relato de casos escabrosos de corrupção, num acesso de raiva, Pedro ordenou a imediata execução de qualquer oficial que subtraísse o Estado, mesmo que fosse um pedaço de corda. Ao redigir o decreto, o ministro ergueu a caneta e perguntou: “Vossa Majestade já refletiu sobre as consequências desse decreto?” Pedro, o Grande, furiosamente respondeu: “Vá em frente! Escreva!” O ministro não se deu por vencido e ainda arguiu: “Vossa Majestade quer viver sozinho, sem súditos no império? Pois todos nós roubamos. Alguns levam pouco, outros levam muito, mas todos nós levamos alguma coisa!” O imperador deu risada, sacudiu tristemente a cabeça e desistiu do decreto. “Não sobra um, Vossa Majestade!”, deve ter dito o ministro.

Karl Marx devia conhecer esse episódio, ao dizer que a história se repete. Primeiro como tragédia, depois como farsa. No caso brasileiro, as delações foram uma tragédia para Dilma Rousseff e agora a história virou uma farsa com a eleição do senador Edison Lobão para a presidência da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado.

Momentos depois de declarar à nação que o ministro que estiver denunciado na Lava Jato será afastado provisoriamente, acrescentando que, caso esse ministro se torne réu perante a Justiça aí, sim, será afastado em definitivo, digamos que o presidente Michel Temer tenha recebido o Lobão para uma conversa fora da agenda: “Michel, você já refletiu sobre as consequências dessa promessa?”, argumenta Lobão: “A figura da anistia existe. É constitucional. Todo ano, o presidente anistia alguns presos por conta disso ou daquilo. Houve a Lei da Anistia durante o regime militar. Anistia não se faz somente para isso, outros crimes podem ser anistiados”. Temer entrelaça os dedos nervosamente: “O governo não vai blindar ninguém”.

Lobão, que é magro de teimoso, se despede com o presidente mudo: “O presidente e a primeira-dama querem viver sozinhos no palácio, sem uma viva alma por perto? Pois todos nós sobrevivemos do caixa dois. Alguns levam pouco, outros levam muito, mas todos nós levamos alguma coisa. Não sobra um, meu irmão!”

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