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Jaime Lerner está alinhavando um livro com suas melhores frases. A coletânea, recolhida de palestras e dos caderninhos de viagens, virá com uma sentença sobre um dos melhores defeitos de Curitiba: o poder de seduzir as aves de arribação que aqui gorjeiam.

No dizer de Jaime Lerner, “Curitiba é conhecida como túmulo de orquestras espanholas – Suspiros de Espanha, Castrito e Cassino de Sevilla – porque os músicos acabavam se apaixonando por alguma polaca e aqui encerravam suas carreiras”. Por causa de enamorados desertores, muitos espetáculos foram sepultados na cidade. “Enterrem meu coração na sombra de uma araucária”, implorou uma cantante espanhola, antes de se jogar no tanque do Bacacheri.

Não foram poucas as estrelas a morrer de amor por Curitiba. Estrela da boate Marrocos, a bailarina foi convidada por um abonado admirador para passar a semana de carnaval na Ilha do Mel. “Pero que si, pero que no”, a portenha acabou aceitando o convite. Mas com uma condição: antes precisava consultar o ‘garufa’, sua paixão que morava no bairro do Boqueirão. “Mi Boquerón!”, assim ela o chamava.

Naqueles tempos em que os bacanas tinham de ter um cavalo no prado e uma amante argentina, as damas da noite se dividiam entre os “garufas” e os gigolôs. Numa ligeira comparação, bandido era o gigolô e mocinho era o “garufa” – ou malandro, em referência ao clássico tango argentino. O malandro namorava a bailarina enquanto ela fazia um rápido programa com o endinheirado, mas no fim da noite o “garufa” sabia que a corruíra voltaria para a gaiola.

A negociação para o carnaval na Ilha do Mel custou uma garrafa de uísque de boa procedência, algumas taças de clericot (gasosa com frutas) para ela e, no compartilhar de olhares maliciosos, os três chegaram a um bom acordo. “Muy bien”, mas com duas condições! — exigiu a bailarina: “Pagamento adiantado!” O abonado puxou do bolso do paletó um maço de dinheiro: “O que mais?”. “No me leve a mal se en la hora suprema... yo te llamar de mi Boquerón!”.

A argentina ficou conhecida em Curitiba como a “Deusa da Hora Suprema”. Depois de se encantar pela Ilha do Mel, onde foi musa da prainha das Encantadas, terminou sua carreira atendendo clientes da retífica de motores do marido, “el Boquerón”.

Diz o tango de Gardel: “Que el mundo fue y será una porquería, ya lo sé”. Numa cela a media luz da Polícia Federal, hoje os gigolôs de colarinho branco dançam o último tango em Curitiba. No compasso de um pobre “garufa” a cantar o clássico Cambalache, na versão de Raul Seixas.

“Que o mundo foi e será uma porcaria eu já sei / Em 506 e em 2000 também / Que sempre houve ladrões, maquiavélicos e safados / Contentes e frustrados, valores, confusão / Mas que o século 20 é uma praga de maldade e lixo / Já não há quem negue / Vivemos atolados na lameira / E no mesmo lodo todos manuseados”.

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