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 | Gilberto Nascimento/Agência Câmara
| Foto: Gilberto Nascimento/Agência Câmara

Dizem na roça que todo político é um bagre ensaboado. Já o povo da cidade, um pouco mais escolado, diz que o camaleão é a outra natureza do político. Affonso Alves de Camargo Netto era tudo isso e mais um pouco. Não são poucos os que discordaram dele, mas todos reconhecem que o pai do vale-transporte tinha uma inteligência formidável.

Felizmente ou infelizmente, conheci-o pessoalmente em janeiro de 1976. Foi na redação do jornal Voz do Paraná (o nanico semanário católico que tinha a petulância de enfrentar a ditadura), numa mesa-redonda especial com o respeitado presidente do diretório regional da Arena e aliado do todo-poderoso Ney Braga.

Em torno de Affonsinho (para os mais íntimos inimigos), o proprietário do semanário católico Roaldo Koehler, o chefe de redação Aroldo Murá, os editores Celso Nascimento e Benedito Pires, a repórter Maí Nascimento, o convidado especial Renato Schaitza e este cartunista que se reinventou cronista, encarregado de fazer a caricatura do entrevistado para a capa da edição especial da Voz do Paraná, a primeira de 1976 e com nova roupagem gráfica.

Além de uma aula de política, a entrevista foi um espanto. Ficamos todos com os cabelos em pé, depois que o “feiticeiro” nos abriu com um ano de antecedência o famigerado “Pacote de Abril”.

O faro fino de Affonso Alves de Camargo Netto hoje nos faz falta, em meio a tanta mediocridade

Estava na bola de cristal de Affonsinho: com Ernesto Geisel (1974-1979) e Golbery do Couto e Silva à frente, acenava-se com a abertura política lenta e gradual e o fim da ditadura. No lado oposto, por mais que o regime dos generais estivesse desgastado, grupos de extrema-direita pressionavam para que a noite não terminasse nunca.

Já no início de 1975, os militares estavam preocupados com as eleições de 1978 para governador, pois em 1974 a Arena tinha levado uma surra de cinta. A Constituição da época aprovara as eleições diretas, o que preocupava mais ainda a base governista, que podia perder o controle do Congresso. Por meio de uma emenda constitucional, os governistas pretendiam convocar eleições indiretas. Para a emenda ser aprovada, no entanto, a Arena precisava ter o mínimo de dois terços de votos a favor. Vendo que a vaca ia para o brejo, os militares fecharam a porteira.

Foi então que o presidente Ernesto Geisel decretou o que já estava na cabeça de Affonso Alves de Camargo Netto: o “Pacote de Abril”, que permitia a eleição indireta de um terço do Senado. Os tais “senadores biônicos”, numa alusão a uma série de televisão, O Homem Biônico. Affonso Alves de Camargo Netto foi um desses biônicos, em 1978.

Finda a entrevista naquele início de 1976, desenhei o presidente da Arena do jeito que todos nós estávamos: de cabelo em pé. Mais ainda, acentuei o estrabismo de Affonsinho, deixando-o absolutamente vesgo.

Bem mais vesgo estava eu. Quando saiu a edição especial da Voz do Paraná, o caricaturista foi gentilmente convidado a se retirar dos quadros do bravo semanário. Demissão por força maior, sem justa causa, mas nem por isso deixei de prezar o professor Aroldo Murá ao longo do tempo.

Quarenta e dois anos depois – de cabelo em pé com as eleições de 2017 –, os investigados da Lava Jato pretendem enfiar na reforma política o voto de lista. Para a vaca não ir pro brejo – como aconteceu com a Arena de Ernesto Geisel –, as quadrilhas organizadas tramam a “lista biônica” de senadores e deputados.

O faro fino de Affonso Alves de Camargo Netto (1929-2011) hoje nos faz falta, em meio a tanta mediocridade. Fosse contra ou a favor desse pretenso “Pacote de Abril”, pelo menos o Affonsinho já nos fez o grande favor de ter inventado o vale-transporte para mandar para casa toda essa corja que nos desgoverna.

Villeggiatura romana

Depois de participar da mostra de aquarelistas brasileiros na Itália, dia 24 próximo no Collegio di Raffaello, em Urbino, farei uma pausa em Roma para 40 dias e 40 noites de meditação.

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