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Nas eleições de 1982 - as primeiras na redemocratização, com José Richa eleito governador do Paraná -, o escritor Jamil Snege declarou numa crônica os seus candidatos: “Para vereador, Eu mesmo. Curitibano, 97 cm de quadris, estou doidão para entrar na política porque é o único lugar onde você está a salvo dela”.

Para senador, Snege apontou o jornalista Luiz Geraldo Mazza: “Forte espírito aglutinador, líder nato, Mazza teve um único e breve período de solidão e retraimento: foi no início de sua vida sexual, mas isso já faz muito tempo”. Para governador, o candidato de Jamil seria o falecido livreiro Aristides de Oliveira Vinholes: “Embora nascido em Pelotas, Vinholes nunca exerceu. Portou-se com incrível dignidade durante o transe de 64, mas tem um ponto fraco imperdoável: haddock ao molho de manteiga e alcaparras, regado com um bom vinho português”.

Roosevelt só tirou os EUA do fundo poço piorando a Depressão, mudando as feições do governo para pior

Mesmo tendo conhecido o falecido Aristides Vinholes muito pouco –da Livraria Guignone e das madrugadas conspiratórias na Boca Maldita, junto com o próprio Snege – posso assegurar que o livreiro comunista, preso político em diversas ocasiões, não se enquadraria no figurino de governador. Ele tinha um perfil mais adequado para vice-governador. Ou seja, uma reserva moral. Porque assim deveria ser qualquer vice, em qualquer cargo público, acima de qualquer cor partidária. Ao vice seria outorgada a função de um poder moderador, na ausência ou vacância do titular, até em casos de quebra da ordem institucional. Como se fosse uma rainha da Inglaterra no banco de reservas.

Ainda naqueles anos de redemocratização, a primeira eleição direta para prefeito foi realizada em 1985. De um lado Jaime Lerner, que já tinha sido prefeito nomeado por duas vezes; o desafiante era Roberto Requião. Numa certa noite no início daquele ano, Lerner convocou uma reunião informal na casa do jornalista Jaime Lechinski - presentes alguns poucos jornalistas, colaboradores e amigos - para tratar de escolher o vice de sua chapa; sem cor partidária e acima de qualquer suspeita. Uma reserva moral e intelectual da cidade, este era o pressuposto.

Lembro que foi uma das noites mais divertidas que presenciei: Sérgio Mercer e Nireu Teixeira eram os condutores do conclave informal suprapartidário. Ao longo das espirituosas libações, foi passada em revista a vida pregressa de boa parte da lista telefônica de Curitiba. Muitos nomes foram desconsiderados por portarem “caspas nas sobrancelhas” e Dalton Trevisan, embora considerado, foi obviamente descartado por ser o autor dessa figura de linguagem.

Das tantas reputações levadas à breca, se bem lembro, restou o nome do advogado René Ariel Dotti. Um referendo inútil. Nas semanas seguintes, quando a indicação caiu no ambiente nebuloso das negociações políticas, o vice de Lerner acabou sendo o empresário Fernando Fontana.

Franklin Delano Roosevelt só conseguiu tirar os Estados Unidos do fundo poço piorando a Depressão, mudando as feições do governo para pior. Segundo FDR, a situação podia melhorar. Mas, para melhorar, tinha que piorar. Já o nosso Tom Jobim – que não era coxinha, machista e nem deve ter conhecido a Dilma Rousseff subversiva - achava que “nenhuma situação é tão complicada que uma mulher não possa piorar”.

Com toda minha experiência no assunto, estou quase convencido que o Brasil de tempos em tempos precisa de algum vice para chegar ao fundo do poço. Foi o caso do escritor Zé Sarney, pode ser o caso do poeta Michel Temer. E se o STF entender que vamos precisar de um novo imediato, temos o Tiririca de reserva: “Pior do que tá, não fica!”.

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