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O caso das calçadas de Curitiba pode parecer uma controvérsia de somenos (que tal?) importância. Ao contrário. As calçadas representam para os curitibanos o que o trânsito representa para os paulistas, as favelas para os cariocas, o carnaval para os baianos, o mar para os mineiros, os gaúchos para os catarinas, o uísque para os paraguaios.

Sem esses assuntos para tratar no dia a dia, a realidade seria ainda mais sem graça. Não fosse assim, os brasileiros estariam condenados a tratar exclusivamente de dois outros temas que atiçam nossa imaginação: futebol e corrupção.

Caso de amor e ódio, em Curitiba a discussão em torno da calçada acontece desde sempre, como se o exíguo espaço reservado ao pedestre servisse para desviar a atenção do contribuinte de assuntos bem mais pedregosos como saúde, transporte e educação. Além das falcatruas terceirizadas, naturalmente.

Caso de amor e ódio, em Curitiba a discussão em torno da calçada acontece desde sempre

Os nossos passeios sempre consumiram muito verbo e muita verba. Em julho de 1911, por exemplo, o prefeito Joaquim Pereira de Macedo relatava à Câmara que o serviço de calçamento e macadamização estava sendo executado com morosidade, apesar do prazo de um ano para a realização das obras de revestimento: “Essa morosidade de trabalhos tem prejudicado grandemente os interesses do município, obrigando esta Prefeitura a adiar serviços urgentemente reclamados para não ter de pagar duplamente. Os meios fios, os bueiros, os entulhos, as arborizações etc., tudo isto está compreendido no contrato e qualquer desses serviços feitos agora por administração será em benefício da Empresa de Calçamento que o encontrará pronto, recebendo, porém, o pagamento como se fizesse à sua custa. Entretanto, é tal a necessidade que se faz sentir em vários pontos da cidade de serviços dessa natureza que, mesmo reconhecendo os inconvenientes apontados, esta Prefeitura tem procedido a muitos deles”.

O prefeito João Moreira Garcez foi o primeiro a atacar a questão das calçadas com inteligência e sensibilidade. Além de especificar a construção dos passeios (cimento em lençol; ladrilho de cimento natural ou colorido; pedra em “fingimento de mosaico portuguez”; mármore; mosaico; asfalto; ou petit-pavé), instituiu em 1928 o “Frizo Guarany”, desenho indígena aplicado nos passeios de petit pavê, inspirado no movimento paranista.

Seguindo os passos (com cuidado!) de Moreira Garcez, Curitiba deveria criar a Secretaria do Pedestre. Sem hierarquizar os benefícios, conforme muitos políticos preferem: granito no Batel, mármore no Centro Cívico, petit pavê na Rua das Flores, pedra no Setor Histórico, asfalto nos bairros e barro na periferia.

Quando se fala em mobilidade urbana, o pedestre é humilhado pela soberba de motoristas e ciclistas. Desde já, portanto, proponho o escritor Carlos Alberto Pessôa como secretário do Pedestre. Ninguém nessa cidade já gastou tantas solas de sapato quanto o Nêgo Pessôa.

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