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Foram as guerras que popularizaram o consumo do cigarro. Principalmente a Primeira Guerra Mundial, quando as tropas recebiam maços para aliviar a tensão, forjando a imagem de que fumar era heroico. Já na Segunda Guerra o tabaco era tão importante para os soldados quanto seus próprios rifles. Tanto que os cigarros eram racionados entre a população para que não faltasse fumaça, além da dos morteiros, às Forças Aliadas.

Há até uma historinha que diz que antes do embarque à Normandia, no Dia D, que completa 70 anos em 6 de junho, um soldado se espantou ao receber cigarros. "Eu não fumo", reclamou. No que foi chamado para um particular: "Leve, você vai precisar", orientou o sargento de plantão.

Antes mesmo de cruzar o Canal da Mancha, dizem, o praça já havia fumado o maço inteiro, agoniado com os disparos dos nazistas. E ainda tentava filar unzinho de algum colega menos afoito. Pior: não havia nem sequer uma mercearia nas praias francesas para adquirir um avulso que fosse.

Pois em Portugal foi diferente. Quer dizer, nem tudo. Lá os milicos também eram chegados numa nicotina. E no início da década de 70, com o ápice das guerras coloniais na África – o Vietnã lusitano – e a consequente insegurança da continuidade da ditadura do Estado Novo de Salazar, fumava-se sem parar na Terrinha.

Aí entra nossa protagonista. Em 1974, Celeste Martins Caeiro, hoje com 80 anos, era apenas uma faxineira que pouco sabia do Movimento das Forças Armadas (MFA), mais tarde conhecido por Capitães de Abril, que escancarava as insatisfações dos combatentes na África e dos portugueses em geral com os 48 anos do salazarismo.

No dia 25 de abril, Celeste se preparava para distribuir mimos aos clientes na comemoração de um ano de abertura do restaurante em que trabalhava, no centro de Lisboa: taças de vinho do porto aos homens, cravos às mulheres. O que acabou não acontecendo – com tanques nas ruas o clima não era muito propício.

Na volta para casa, Celeste viu uma movimentação de militares e perguntou a um deles o que era aquilo. O soldado respondeu que o batalhão se preparava para depor o primeiro-ministro Marcelo Caetano, herdeiro político de Salazar.

O praça também aproveitou para perguntar se Celeste por um acaso não teria um cigarrinho para ele se distrair enquanto a revolução ainda era só fumaça. "Não tenho, porque não fumo. Mas tenho cá esses cravos, que trouxe do restaurante", explicou e entregou uma flor ao soldado, que a pôs na ponta do rifle, seguido pelos companheiros, que foram seguidos pelos oficiais.

E assim, sem que nenhum tiro fosse disparado e nenhum cigarro fosse tragado, Celeste Martins Caeiro batizou sem querer, há 40 anos, o levante mais bonito da história: a Revolução dos Cravos.

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