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Um dos primeiros estranhamentos para quem começa a aprender a língua inglesa é descobrir que o pronome pessoal I é grafado com uma única e maiúscula letra em qualquer posição de uma frase. Contrasta com a regra do português que exige minúscula para o nosso equivalente: o eu. É claro, trata-se de uma convenção. Mas de uma convenção carregada de um simbolismo que pode ajudar a entender um pouco quem somos nós. Afinal, o que indicamos com maiúsculas é aquilo que queremos dar distinção.

Os lusófonos escolheram usá-las para designar, em geral, tão-somente os nomes próprios. Porém, a lógica anglófona tem sentido. Um nome próprio indica pessoalidade – um eu bem específico. E talvez não haja nenhuma cultura que celebre tanto o indivíduo quanto a dos falantes de inglês. Assim, o I maiúsculo é uma notável expressão de uma comunidade na qual floresceram a democracia moderna e o capitalismo – ambos assentados no princípio da liberdade individual para pensar, se expressar, fazer escolhas e empreender. Enfim, o domínio do Eu maiúsculo.

Nossas origens portuguesas não nos legaram essa centralidade do indivíduo. O Estado veio antes do cidadão no Brasil. Aliás, é sintomático que palavras que designam instituições como o Estado, a República ou o Império brasileiro costumem ser grafadas com letras maiúsculas. Enquanto isso, aos conceitos como cidadão, cidadania, democracia restam as iniciais minúsculas. Sem que percebamos, atribuímos menos relevância a eles – algo expresso na tipologia que escolhemos na escrita.

Pior ainda é a rotineira insistência, demonstrada em documentos oficiais, de tratar cargos públicos com o mesmo status do nome próprio individual. O cidadão é minúsculo diante do Presidente (ou da Presidenta, como querem os atuais ocupantes do poder), do Ministro, do Governador, do Prefeito, do Desembargador, do Juiz.

A imprensa, já faz algum tempo, não costuma mais conceder a maiúscula designação aos cargos; grafa-os com minúsculas. Não sem reclamações de alguns de seus ocupantes, que acham tratar-se de desrespeito à função. Mas, no fundo, tal distinção apenas manteria graficamente a diferença de que sempre gozaram em relação aos demais brasileiros. Já é um avanço, portanto, que não haja mais essa diferença na escrita. Mas ainda estamos distantes de uma Cidadania maiúscula de fato.

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