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Nesses tempos em que a vida política do Brasil rende muito assunto e muita revolta, me espanta a ausência de notícias sobre famílias que se mataram sobre a mesa de jantar enquanto discutiam os destinos do país. Se houve casos em que os debates terminaram em morte, nenhum chegou aos meus ouvidos.

Minha mãe tinha muito medo de conversas sobre política em reuniões da família. Parece que presenciou o nascimento de algumas rixas duradouras entre irmãos, cunhados, primos ou compadres. Não sei ao certo quem brigou com quem porque ela nunca contou nenhuma história com detalhes. Talvez na geração dela as diferenças políticas não se convertessem em rupturas definitivas, apenas estragassem o apetite. Mas era o suficiente para deixá-la alerta em ano de eleições. “Política” para a minha mãe era sinônimo de discussões e brigas. Ela não tinha estômago para isso.

Percebo que dentro das famílias há uma tendência para a uniformidade de pensamento. Todos pensam mais ou menos igual, há um acomodamento natural. Provavelmente porque é ali, dentro de casa, que se formam as nossas tendências políticas. O sujeito acha que está sendo muito original, encontrando seu caminho, mas os seus passos já estão pré-determinados. Os que deixam a estrada principal do pensamento familiar e tomam um desvio aprendem a se comportar como minoria e reconhecer as limitações de sua posição. Se não aprendem, é aí que pode rolar sangue.

Como aconteceu outro dia em Faíscas, uma cidadezinha de Portugal. A família jantava em paz, pai, mãe, dois filhos adultos, os avós. Um casal de primos com a filhinha compartilhava a ceia. Entraram em desacordo e um dos filhos foi ao quarto, voltou com sua arma de caça e atirou contra o pai. No meio da confusão acabou atingindo mais duas pessoas. Ao ver o estrago que fez, se matou. Os primos correram após o primeiro disparo e ficaram sem entender nada. A testemunha que falou com a imprensa, a prima, fez um relato surpreendente. Segundo ela, estava tudo “tão bem”! Aparentemente o problema todo foi que pai e filho não souberam a hora de parar a discussão.

Estou misturando alhos com bugalhos. A prima não disse que a discussão na mesa de jantar era sobre política. Deu a entender que falavam sobre amenidades e não que revolviam as mágoas que cada um carregava, as negligências paternas ou a preferência da mãe pelo irmão caçula. Por que a fúria, então? “Estava tudo tão bem” – repetia a prima depois do triplo homicídio seguido de suicídio.

Em torno de que temas discutem e se matam as famílias portuguesas, eu não sei. Invoco a tragédia lusitana por conveniência, para que nos sirva de alerta sobre a hora de parar uma discussão, já que tema para conversas, a política brasileira não para de nos dar.

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A beleza das palavras, 6. La douleur exquise. Francês. A dor provocada por um amor não correspondido.

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