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 | Ilustração: Felipe Lima
| Foto: Ilustração: Felipe Lima

Quem me inspirou o as­­sun­­to para este texto fo­­ram leitores que me es­­crevem ou falam co­­migo na rua. Quando penso neles me vem à cabeça uma palavra – gentileza. Esses leitores são gentis, extremamente gentis. Contam pequenas histórias, comentam uma lembrança que lhes ocorreu ao ler um texto e repassam informações que são como pequenos presentes. Como Lucia Nasci­­mento, que me enviou a letra de "Canção da Manhã Feliz", de Haroldo Bar­­bosa e Luiz Reis.

Mostrar que você reconhece a existência de alguém (com um cumprimento) e dirigir-lhe uma palavra ou aceno é a primeira, a mais básica e a mais relevante das gentilezas. Ser invisível não combina com a natureza humana. Ser ignorado é uma agressão. Ser reconhecido é um carinho. Temos chance de praticar este tipo de gentileza/carinho muitas vezes ao dia. São dezenas de encontros fortuitos com conhecidos e quase desconhecidos: o porteiro, o vizinho, o manobrista, o colega do outro departamento, o ascensorista, o manobrista.

Há gentilezas mais elaboradas: elogiar algo bom que uma pessoa fez (se encaminhar o elogio ao chefe dela, melhor ainda); ligar para saber como está o colega que não foi trabalhar porque está doente; ouvir alguém que parece precisar desabafar.

Tudo passa por notar os ou­­tros e julgá-los importantes o bastante para merecer algumas palavras nossas ou alguns minutos de atenção.

Os franceses complementam a palavra de agradecimento (merci) com a frase "você está sendo gentil" (vous êtes gentil), que corresponde ao nosso "é gentil da sua parte". A frase dos franceses serve pare reconhecer o gesto a mais, o empenho do outro em fazer um pouco mais do que é socialmente exigido (mas não vá esperar que um francês diga isso com um belo sorriso no rosto, que aí já é querer demais...).

Em inglês, a expressão também existe e está muito mais viva que no nosso português. Aliás, seguindo o jeito brasileiro de ser, "é gentileza sua" é frase em desuso e quando aparece é pa­­ra agradecer um elogio. Gen­­tileza é palavra démodé, apesar de ser linda. O que mostra que não há justiça estética nem moral na escolha das palavras que usamos. Tem mais gente por aí fa­­lando como um personagem do filme Tropa de Elite do que como o Profeta Gentileza.

Gentileza era um senhor de longas barbas brancas que registrou suas mensagens nas pilastras do Viaduto do Caju, no Rio de Janeiro, usando um grafismo que ele mesmo in­­ventou e que ganhou reputação de arte original. A mais conhecida de suas mensagens: "Gentileza gera gentileza".

A história desse ho­­mem me­­rece ser co­­nhe­­cida. Em 1961, um circo pe­­gou fogo em Niterói e matou 500 crianças. Di­­zendo-se co­­mandado por uma força superior, José Datrino, então com 44 anos, deixou sua vida de trabalhador humilde e foi para o local da tragédia consolar as famílias. A partir daí virou Profeta. Sobrenome: Gentileza. Dizem que não era gentil em tempo integral, que gritava como um louco quando via mulheres de minissaia ou calça justa, a quem atribua responsabilidade por metade dos problemas do Brasil. A outra metade da responsabilidade por nossas desgraças ele imputava ao dinheiro, que, dizia ele, cria um estilo de vida onde não sobra espaço para a gentileza. Tudo indica que Gentileza era um pouco confuso mentalmente, mas alguém há de discordar de sua sabedoria?

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