• Carregando...
 | Felipe Lima
| Foto: Felipe Lima

Se você vai fechar a janela ou espia lá fora antes de sair ou está a caminho da padaria ou recolhe a roupa no varal, e se você não estiver completamente perdido em pensamentos que naquele momento parecem muito importantes, verá o lusco-fusco. O “momento coagulado entre o dia e a noite”, como escreveu Paulo Mendes Campos na maravilhosa crônica “As Horas Antigas”.

Lusco-fusco é palavra estranha, o que é ótimo. Combina com esse momento em que o dia acabou e a noite não começou. O lusco-fusco dura alguns segundos ou minutos, não sei ao certo. Nos últimos dias, ele vem se exibindo em toda a sua glória. A internet está coalhada de fotos de crepúsculos porque impera uma mentalidade de que, se vivemos um momento especial, ele só terá mesmo valor se o mundo souber que o vivemos. Bobagem, tolice. Mas essa mentalidade faz do lusco-fusco um sucesso midiático.

Vemos aquele resto de luz se dispersando no horizonte e sabemos que ele já vai sumir. Por isso o resquício de luz nos fascina mais que as muitas horas de sol de um dia.

Depois que o sol se esconde, deixa para trás um céu avermelhado com bordas laranjas ou amarelas. É um céu de ficção científica

Esta semana o sol se pôs em Curitiba por volta de 17h51, o mesmo horário de Porto Alegre e Florianópolis. Informam os sites de meteorologia que em São Paulo o dia foi mais curto (17h43), mais curto ainda no Rio (17h31) e em Natal (17h23). Lá do outro lado do Brasil, em Macapá, o sol se põe bem mais tarde, às 18h34. Portanto, o crepúsculo, que vem logo após o pôr do sol, acontece em momentos diferentes Brasil afora. Se é bonito em todos os lugares, depende das condições meteorológicas. Os nossos andam lindos. Depois que o sol se esconde, deixa para trás um céu avermelhado com bordas laranjas ou amarelas. Astros estão surgindo, a lua já está lá. É um céu de ficção científica, estranho e próximo demais. Uma criancinha que nunca viu um crepúsculo assim corre para dentro de casa pedindo proteção. Um coração apaixonado procura sua cara-metade. Um escritor talentoso registra “como era bom ser mineiro e melancólico às seis da tarde!”

No Brasil se tem como certo que a expressão lusco-fusco é a junção de dois adjetivos latinos: luscus (que vê só de um olho, vesgo, que enxerga mal) e fuscus (fosco, escuro, pardo). No lusco-fusco se enxerga mal e é por isso que é perigoso dirigir nessa hora. Em Portugal parece não haver tanta certeza quanto à origem da palavra e a dúvida deles torna o assunto mais interessante. Há por lá quem diga que lusco-fusco vem do latim, sim, mas do latim lux quæ fugit (“luz que foge”) e que, portanto, não se aplica ao nascer do sol. A luz só foge no fim da tarde e seu rastro colorido é aquela belezura.

A ciência apagou os medos que assustavam os antigos, medos que davam origens a lendas, como as contadas por Borges, de fantasmas vestidos com velhas armaduras que saiam no lusco-fusco de Carcassone. Não há mais mistérios e ainda assim o lusco-fusco nos surpreende. Por ser vermelho. Por ser amarelo. Por desaparecer.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]