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 | Felipe Lima
| Foto: Felipe Lima

Há uma forte pressão sobre os bravos cidadãos que resistem a ter um telefone celular. Lá estão eles, tranquilos, sem sentir falta de algo que nunca tiveram. Sabem, portanto, que prescindem do aparelho. Mas os amigos e parentes estão convencidos de que, ao se comportarem como luditas antipáticos, os renitentes dificultam suas próprias vidas e a dos que interagem com eles. Geralmente, a justificativa para convencer o sujeito a aderir à tecnologia é a segurança. Em caso de queda no banheiro, por exemplo, a quem recorrer se você estiver sozinho em casa? Raciocínio sensato, mas que implica na necessidade de nunca se desgrudar do aparelho e jamais deixar a bateria descarregar. O aparelho deve se tornar um apêndice de seu corpo e ser nutrido como tal.

Esta semana encontrei o sr. Adalberto com a família no restaurante. Havia um tom de comemoração entre eles porque o sr. Adalberto finalmente aceitou usar um celular e agora carrega consigo o aparelho que o filho lhe deu.

Bem-vindo ao mundo dos eternamente “em contato”, sr. Adalberto! E cuidado, que esses aparelhos às vezes têm vida própria.

Sempre fantasiamos que as máquinas um dia serão tão inteligentes que acabarão nos dominando

Pretensão ou ingenuidade, não sei. Fato é que sempre fantasiamos que as máquinas um dia serão tão inteligentes que acabarão nos dominando. Ficarão parecidas conosco, vingativas e mandonas. Terão piti, como o Hal 9000, de 2001, Uma Odisseia no Espaço. Quando a máquina faz algo que não conseguimos explicar, nós, os leigos da tecnologia, desconfiamos que ela anda pensando por conta própria. Eu mesma desconfio que o meu aparelho está empenhado em me constranger. Se não é isso, por que, então, começaria a tocar um funk no exato momento em que me levantei para ir até a funcionária da Polícia Federal que iria renovar meu passaporte? “Ah, a música era sua?”, comentou a moça quando lhe expliquei minha pressa em desligar o aparelho. Muito delicada, ela não fez nenhum comentário sobre o meu aparente mau gosto musical. Como sempre, quando se trata de tecnologia, havia uma explicação para aquilo que me pareceu um fenômeno sobrenatural. Suponho que, com o aparelho espremido no bolso dianteiro do jeans, acionei acidentalmente a tela touch ao me levantar e fui para o YouTube, de onde saiu o vozeirão do funkeiro. Como costuma acontecer, a explicação tira a graça da história. Preferia pensar no celular como um ser endiabrado, um saci eletrônico pregando peças nas tataranetas da Dona Benta.

Meu amigo Paulo também apelou para a vida própria do celular para explicar por que me enviou uma mensagem tarde da noite, um recado misterioso que não consegui entender, um símbolo qualquer, amarelo e sorridente. O que será que ele estava tentando me comunicar de forma tão sutil? Nada. Paulo nem sabia que havia me contactado, me acordando do sono em que eu havia acabado de cair.

Imbatível é a confusão criada por um casal de amigos. Às 3 da madrugada, o marido foi despertado por um barulho vindo do celular (até hoje não explicado). Acordou preocupado e apalpou o aparelho para descobrir quem estava fazendo contato. Toca aqui e ali, acabou abrindo uma mensagem de um conhecido que dizia candidamente: “Vamos comer uma pizza?” Debateu com a esposa longamente sobre aquele estranho convite no meio da madrugada. O amigo estaria com problemas e precisava desabafar? Bêbado, talvez? Resolveram responder educadamente: “Estamos dormindo. Boa noite”. No dia seguinte, o conhecido telefonou para saber por que ele havia lhe enviado uma mensagem às 3 da madruga para contar que... estava dormindo! E o convite para a pizza? Era de meses antes.

***

Nas piores horas, quando não há nada a dizer, recorremos aos poetas. São de Dylan Thomas os versos escritos quando a Europa estava mergulhada na guerra e a morte de crianças envergonhava a humanidade.

“E a morte perderá o seu domínio.

Não hão de gritar mais as gaivotas aos seus ouvidos

nem as vagas romper tumultuosamente nas praias;

Onde se abriu uma flor não poderá nenhuma flor

erguer a sua corola em direção à força das chuvas;

Ainda estejam mortas e loucas, hão de descer

como pregos as suas cabeças pelas margaridas;

é no sol que irrompem até que o sol se extinga,

E a morte perderá o seu domínio.”

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