Tet tec tec.
Sala de aula.
Tec tec tec.
O professor fala, os estudantes digitam.
Resignado, ele tenta manter a atenção da rapaziada por pelos menos cinco minutos.
Tec tec tec. É difícil.
Até o aluno mais esforçado é provocado pelas tentações que vêm pelo wi-fi. “Vamos combinar a noite de sábado?” Questão importantíssima. Mais relevante neste momento que a Semana de 22, que a Tarsila e o Mario de Andrade. Tarsila, mulher interessante. Por que só ouvir o professor se posso fazer uma busca pelo nome dela: Tarsila do Amaral. Bonitona.
Tec tec tec:
-- “Quando eu tiver uma filha, vou chamar de Tarsila”.
-- “Que! Mudou de assunto? E a balada?”
O professor lá na frente também muda de assunto. Fala de Bandeira:
“Belo belo minha bela
Tenho tudo que não quero
Não tenho nada que quero”
Bacana o poema. E o menino lembra da namorada. Será que ela ia entender?
Tec tec tec. Lá vai Bandeira. A poesia entra na máquina que o poeta nunca conheceu:
“Não quero óculos nem tosse
Nem obrigação de voto
Quero quero
Quero a solidão dos píncaros
A água da fonte escondida
A rosa que floresceu”
São esses os versos que o menino acha que escreveu. Mas o aplicativo, esse metido, vai completando as palavras assim que ele digita as primeiras letras. Um olhar no professor outro na telinha, o apaixonado digital nem nota. O que a namorada recebe do outro lado é assim:
“Não quero outro desse tópico
Sempre ocupado com nematóides toscos
Quero quero
Quero a solução das pinças
A água da forma estabelecida
A rola que flores deu”
O tec tec parou. Não veio resposta. Será que a menina está encantada lá do outro lado do wi-fi? O impacto foi tão grande?
Faz um teste. Tec tec tec. “Viva Bandeira!”
Desta vez o aplicativo não altera as palavras. Viva é viva e bandeira é bandeira. E a menina se manifesta: “Pirou?”
***
Uma vez acompanhei de longe uma visita do Ariano Suassuna à redação de um web site onde eu trabalhava. O jornalista que o guiava mostrava os computadores e seus softwares que podiam fazer isso e aquilo. No rosto de Suassuna, tédio. Obviamente ele não se interessava por nada do que via. Por mais que o jornalista se esforçasse, o pernambucano não mostrava entusiasmo. Até que abriu a boca e contou uma historinha: “Na outra redação (a da Folha de São Paulo), o jornalista quis me mostrar as maravilhas do corretor ortográfico automático e digitou uma frase com o meu nome. O corretor achou que estava errado e corrigiu. Virei um ‘ariano assassino’”.
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