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| Foto: Felipe Lima/

É um pequeno alívio encontrar uma boa história dentro de uma tragédia. A cidade síria de Palmira, ocupada pelos militantes do Estado Islâmico, é onde ocorre a tragédia, que se insinuou meses atrás quando a bandeira preta foi hasteada sobre as construções de mais de 2 mil anos. Dizem que só Roma e Pompeia têm mais edificações daquele período. Que Palmira é a “entrada única no grande livro da história da humanidade”. A definição do historiador soa mágica, não é? Para os ouvidos do Estado Islâmico, ela soa como o tilintar de moedas.

O Estado Islâmico vende objetos históricos dos lugares que ocupa para fazer caixa e comprar armas. Usa a destruição de sítios arqueológicos como peça de propaganda do terror. Por isso a divulgação de vídeos mostrando a implosão de um templo e as notícias de que decapitaram Khaled al-Asaad, o pesquisador sírio de 82 anos que não quis entregar as relíquias arqueológicas que ele ajudou a esconder dos terroristas.

Lembrar da história da cidade é uma pequena vingança contra o Estado Islâmico, é o minúsculo alívio a que me referi. Porque a história de Palmira é a antítese do Estado Islâmico. Palmira é a terra de Zenóbia, sua última rainha. Quando o marido morreu, foi ela quem assumiu como regente em nome do filho pequeno. Tomou para si o controle do exército, que a respeitava por causa das campanhas militares em que acompanhou o marido. Ganhou fama de corajosa. Bebia vinho com os generais na frente de batalha e se cercava de filósofos quando estava em Palmira. Seus avanços sobre novos territórios desagradaram Roma, que marchou sobre a cidade matando todos os que reagiram. O destino da rainha e de seu filho é um mistério.

A história de Palmira é a antítese do Estado Islâmico. Palmira é a terra de Zenóbia, sua última rainha

Há poucos registros escritos sobre Zenóbia, mas ela não é lenda. Virou um mito, mas não é uma fantasia. Romanos, árabes, judeus, cada um falou dela seguindo seus interesses. Naquelas colunas de Palmira que os selvagens do Estado Islâmico começaram a derrubar, o nome dela está gravado. Há nichos vazios onde um dia estavam bustos que representavam seu rosto. Ninguém sabe como se parecia: segundo os romanos, era morena, de olhos escuros e amendoados, bonita. Por isso não leve a sério o filme dos anos 50 em que a loira Anita Ekberg interpreta a rainha Zenóbia. Nada a ver.

A Palmira de Zenóbia cresceu sobre um oásis que se formou a partir de uma fonte de água que corria até pouco tempo atrás (secou em 1994). Era ocupada por pessoas de várias origens étnicas e religiões. Não havia uma religião oficial. A arquitetura de Palmira, que agora está sob ameaça do Estado Islâmico, mescla os estilos grego, romano e persa. A rainha falava quatro ou cinco idiomas e usava essa habilidade para conviver com os vizinhos e com os povos que dominou. Ao ocupar o Egito – note a ironia –, ela valorizou tradições e a história dos faraós e restaurou monumentos que estavam desmoronando.

Por tudo isso, lembrar Zenóbia é uma pequena vingança. A própria existência de uma mulher que foi rainha e comandante militar é um tapa na cara dos homens imbecis que hoje destroem Palmira.

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