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 | Arte: Felipe Lima
| Foto: Arte: Felipe Lima

Um friozinho modesto entra pela janela entreaberta. Sentia falta dele e saio para encontrá-lo. Não é preciso agasalho, é só um friozinho. De vez em quando o calendário e o clima se emparelham. É oficialmente outono e a temperatura baixou.

Agora que é outono sei que muita coisa ficou para trás. Que aqui no Hemisfério Sul a temporada de veraneio acabou para estudantes e funcionários, que o carnaval já é lembrança velha, que as crianças têm de estudar para as provas.

Agora que é outono vamos voltar a dormir agarradinhos, mesmo que seja agarrado ao edredom. Vamos voltar a fechar janelas que tão escancaradas ficaram naquelas noites quentes do verão. Vamos falar menos de aquecimento global, a não ser que o outono traga chuvas assustadoras. Aí voltaremos a invocar o aquecimento global para explicar tanta desgraça.

Agora que é outono será que o vizinho que vejo, após o trabalho, caminhando de calça e camisa social e pés descalços, será que esse vizinho vai calçar pantufas? Ou o frio ainda não é suficiente para lhe tirar a alegria de andar de pés no chão? Será que as meninas não vão mais circular por aí com seus shortinhos, com suas pernas de fora? Será que o outono vai acabar com essa alegria para os olhos da rapaziada?

Aqui o outono se mistura com o verão e se confunde com o inverno. Aqui não é como no lado de cima do Equador, onde o outono se anuncia de forma evidente, pintando as folhas de laranja

Sapecada de pinhão – que nunca vi e nunca comi –, mas que, alguém me diz, é perfeito para uma noite fresca de outono. Será que agora vou provar?

Aqui o outono se mistura com o verão e se confunde com o inverno. Aqui não é como no lado de cima do Equador, onde o outono se anuncia de forma evidente, pintando as folhas de laranja, importando ventos de terras geladas. Por isso os poetas desse Norte friorento, de Shakespeare a Fernando Pessoa, se inspiraram no outono, que muda a paisagem, o mundo visível, lembrando que a luz não dura para sempre.

De Frank Sinatra a Bob Dylan, muitos se animaram a cantar as folhas que caem, as folhas mortas do Hemisfério Norte, sempre relacionando o outono com a velhice ou com as coisas que ficaram para trás. “Mas eu sinto mais falta de você, querida, quando as folhas começam a cair, no outono” – diz a canção.

Ao Sul do planeta cada dia nos surpreende com uma estação, com um vento imprevisível, com chuvas repentinas. O que sei por certo e você sabe é que este novo outono já transformou os dias e as noites não são as mesmas.

Agora que é outono, que flores aparecerão nos jardins? Que arbustos desaparecerão nas geadas? A grama vai crescer menos? As cigarras vão embora e as butucas vão desaparecer?

O que irá nos inspirar este outono? A sutileza da mudança de estação no Brasil é um chiaroscuro. Outonos têm dias de verão (oficialmente chamados de veranicos). Primaveras têm dias de verão. E verão, quem diria, tem dias de outono. Os limites não são claros, mas as diferenças são sentidas.

Agora que é outono recebo um e-mail de alguém que vive no lado de cima do planeta comemorando a chegada da primavera. Bom para eles e bom pra nós, que valorizamos mais o que temos quando ficamos um pouco distantes. O friozinho fazia falta, especialmente à noite. As noites frescas voltaram e com elas o sono dos que rolavam na cama em busca de um pedaço frio de lençol.

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