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Tem muito mendigo nesta cidade. Tem muito morador de rua. A maioria dos que vejo não está pedindo nada. Quando vou trabalhar de manhã e quando volto para casa vejo pessoas dormindo nas calçadas, especialmente nos dias frios. Um ou outro está sentado ou em pé. As pessoas passam por eles e eles não reagem. Então, como não mendigam, não sei se seria correto chamá-los de mendigos.

Seguindo esse raciocínio, não era mendiga a mulher que ficava em uma calçada do Centro, vigiando uma ou duas sacolas abarrotadas, sempre com olhar distante. Incomodada por seus chinelos de dedo naqueles dias gelados e chuvosos, encasquetei de dar a ela um par de crocs e um par de meias. Mas, no dia em que eu me lembrava de carregar comigo a doação, ela sumia. Até que finalmente houve a coincidência. Eu estava com as meias na bolsa e ela estava lá, na calçada. Quando ofereci o par para ela ("Eu tenho umas meias aqui, você quer?"), ela recusou ("Não, obrigada"). Virou o rosto e deu o assunto por encerrado. Fiquei desconcertada.

Mendigos são desconcertantes. Por vários motivos. A miséria deles nos cutuca, pensamos que devemos fazer algo. Mas fazer o quê?

É mais fácil quando alguém pede algo para comer ou beber ("Me dá o restinho do refrigerante, tia?"). Você dá (ação) e acredita que matou a fome (resultado). Mas quando eles simplesmente estão lá, enrolados em seus cobertores, não há o que fazer nem há como ignorá-los.

Há outras razões para a visão de um mendigo causar desconforto nas pessoas. A começar pelo estilo de vida que adotaram por vontade própria ou por força das circunstâncias. Não trabalhar, não ter endereço fixo – isso é uma afronta para muita gente que passa a vida em função dessas coisas.

Tenho a impressão de que o número de crianças que perambulam pelo Centro diminuiu muito. Mas os adultos estão por toda parte. Há um rapaz em Curitiba que toca um instrumento imaginário e que muda sempre de rua, mas continua cruzando meu caminho. Um dia ele vai desaparecer sem deixar pistas. Moradores de rua como esse, que parece ter doença mental, me entristecem porque penso que eles já tiveram família. Onde estão aqueles que poderiam cuidar deles, que talvez tenham cuidado deles por muitos anos?

Já vi casal brigar por causa de mendigo. Diante da decisão de um deles de colocar uma esmola na mão que a pedinte lhe estendia após contar uma história triste de doença, o outro armou um furdunço. "Você é boba e ingênua." "Você é insensível." O trânsito andou e os dois seguiram batendo boca. Custou caro aquela esmola.

O que fazer diante de um morador de rua, de um mendigo? A esmola vai ajudá-lo ou tornar mais crônica sua situação? Ele vai passar fome se eu não ajudá-lo? Sou responsável por ele ou não tenho nada a ver com a vida que escolheu? Ele escolheu essa vida?

Mendigos há em toda cidade. Nova York tem muitos e alguns são "adotados" pela vizinhança; são personagens de filmes e de livros que se passam lá. Em Paris, os sem-domicílio-fixo mendigam ativamente nos metrôs; referem-se a si mesmos pela sigla SDF. Em Buenos Aires, os passageiros dos trens ouvem diariamente os lamentos de homens que dizem ser veteranos das Malvinas. OK, estão por toda parte. O que me incomoda hoje é que tenho a impressão de que o número de mendigos não para de crescer. Parece um mau sinal.

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