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Os bancos foram trazidos para o armazém no Água Verde há coisa de cinquenta anos. Duas peças rústicas e grandonas, de tábua corrida, sólidos como os pioneiros que os produziram. Pés torneados e laterais entalhadas com motivos geométricos. Pintados de verde garrafa, bem ao gosto de um tempo de poucas cores. Indistinguíveis quanto à origem e ao estilo, estariam bem em um canteiro de obras no antigo Egito, em Esparta ou entre os caboclos do Contestado.

Comprados com intenção de revenda, eram arrastados diariamente para a frente da loja e deixados ali, à espera do comprador. Tinham um bom preço, mas, por conta do gosto de uma época apaixonada pela fórmica e pelo baquelite, acabaram encalhando. Tanto que, em questão de meses, o dono do armazém já nem os levava para dentro. Dificilmente seriam furtados; por via das dúvidas, porém, eram acorrentados ao poste.

Na medida em que a atração de pessoas se mostrava um bom negócio, porém, desistiu das queixas. E os bancos passaram a fazer parte da loja

De um dia para o outro, consuetudinariamente falando, os bancos passaram a cumprir seu papel. Começaram a assentar as mães do bairro, os aposentados e os leitores de jornal que iam ao armazém, compravam alguma coisa – saco de café, pão de forma, capilé, bala Zequinha – e se deixavam restar ali, acompanhando o movimento crescente da avenida.

No início, o dono até desgostou, ainda esperançoso de que o comprador certo fosse chegar. Na medida em que a atração de pessoas se mostrava um bom negócio, porém, desistiu das queixas. E os bancos passaram a fazer parte da loja.

Três ou quatro anos depois, um cidadão chegou à loja, fez uma compra, foi lá para fora, examinou as peças e apresentou uma oferta razoável. O dono ficou balançado – o comprador certo havia chegado –, mas, como tinha criado afeto, deixou passar. Comprador certo, momento errado.

O armazém resistiu bravamente à urbanização. Nos anos oitenta, com os supermercados e a crise econômica, quase fechou; sobreviveu, como diziam os filhos do proprietário, por pura teimosia do pai, que quase pagava para trabalhar. Os anos passaram e os bancos se converteram em uma herança macia, desbotada e de quinas arredondadas. Assumiram de vez a pátina do tempo e o título de “peças vintage” atribuído pelos chatos especialistas de nossa época.

Gerenciado pela terceira geração da família fundadora, o armazém faz sucesso em um momento histórico que nos leva a amar o passado. E os bancos, que vez por outra recebem uma proposta generosa de compra, permanecem firmes no rol das coisas inalienáveis do mundo. Daqui a seiscentos anos, desconfio, ainda estarão lá – e só isso dá uma vontade danada de me sentar neles e ver o tempo passar.

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