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Cigarro é o produto mais contrabandeado nas fronteiras entre Brasil e Paraguai, segundo o levantamento. | Albari Rosa
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Cigarro é o produto mais contrabandeado nas fronteiras entre Brasil e Paraguai, segundo o levantamento.| Foto: Albari Rosa /Gazeta do Povo

A indústria do contrabando envolve diretamente 15 mil pessoas só na região de Foz do Iguaçu. A média salarial é de R$ 985 por mês, mas a exploração da mão de obra, consequência direta dessa prática ilegal, faz com que os ganhos se concentrem nas mãos de 2% dessa população ilegalmente ativa. A maioria arrisca a vida a preços baixos e trabalha muitas horas por dia em condições desumanas.

Império das Cinzas

Confira as reportagens da série Império das Cinzas, da Gazeta do Povo. O especial retratou a ascensão do cigarro como principal fonte de lucro para o crime organizado.

Os dados constam no estudo O Custo do Contrabando, coordenado pela Empresa Gaúcha de Opinião Pública e Estatística (Egope) para o Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteiras (Idesf). Lançado ontem em Foz do Iguaçu, o trabalho é o resultado de sete meses de investigações sobre os 10 produtos mais contrabandeados do Paraguai para o Brasil – o cigarro lidera o ranking com 67%. A Gazeta do Povo já havia revelado em 2014 que o cigarro pirata já superou o tráfico de drogas entre os crimes mais rentáveis na fronteira. O contrabando do cigarro gira R$ 6,4 bilhões, entre perdas da indústria e evasão fiscal – e R$ 4,5 bilhões são de tributos que o governo deixa de arrecadar.

Passo a passo da corrupção

No estudo, o Idesf dividiu a “incidência” da corrupção no crime organizado em quatro momentos. Conheça cada um deles:

  • 1º momento: é próximo à barranca do Rio Paraná e as margens do Lago de Itaipu, onde o valor da propina é o menor que existe um vínculo de cooperação mais estreito entre o contrabandista e o agente público. Ali o valor da corrupção é de cerca de R$ 100 por dia por agente público.
  • 2º momento: após acordo com o contrabandista, o agente público faz o papel de “batedor da carga” até o limite de sua circunscrição, evitando que ela seja apreendida nos postos de fiscalização. O valor gira em torno de R$ 1 mil a R$ 1,5 mil.
  • 3º momento: acontece nos postos de fiscalização, quando um carro é usado para transporte da mercadoria. Pode haver ou não um acordo prévio e o valor do repasse gira em torno de R$ 3 mil a R$ 10 mil.
  • 4º momento: acontece quando o agente público forja a apreensão para negociar a liberação da carga. Nesse caso, o valor da corrupção varia de R$ 15 mil a R$ 50 mil. Pode chegar a 50% do valor da carga, normalmente paga com a própria mercadoria.

A Egope avaliou a variação de preço dos 10 produtos desde a venda nas 180 lojas pesquisadas em Ciudad del Este, no Paraguai, até a revenda em 120 lojas no Brás, Santa Ifigênia e no comércio da Rua 25 de Março, em São Paulo, principal destino das mercadorias. Para se chegar a esses valores foram entrevistadas 15 pessoas de diferentes níveis hierárquicos do contrabando, de forma a entender como funciona a logística de ponta a ponta. Essas entrevistas permitiram conhecer as diferentes funções, os salários, o papel do “patrão” e o volume transportado.

O foco inicial da pesquisa era medir o volume de impostos que o país deixa de arrecadar com o contrabando de cigarro, mas os pesquisadores fizeram novas descobertas. Constataram, por exemplo, que o contrabando é um negócio de altíssima rentabilidade, sobretudo para os grandes patrões. Para os operários do contrabando, as condições de trabalho são sub-humanas e os salários quase miseráveis. Há uma hierarquização organizada dentro do esquema do contrabando, extremamente subdividida, controlada e eficaz, de acordo com cada função exercida.

A geografia do contrabando define essas funções. O estudo considerou duas grandes regiões onde a indústria do contrabando se estabeleceu. A primeira, a fronteira entre Foz e Cuidad del Este, por ser a principal porta de entrada do contrabando no país e também onde se realiza o maior número de apreensões de contrabando. A segunda região fica em São Paulo, em especial nas localidades do Brás, Santa Ifigênia e no comércio da Rua 25 de Março, locais que representam um dos maiores pontos de vendas e distribuição de contrabando do país.

Na fronteira, a estrutura inclui donos de portos clandestinos, passadores, barqueiros, capivaras (carregadores), olheiros, motoristas, batedores, donos de depósitos, encarregados dos pagamentos e o patrão, o mais alto escalão do contrabando. Funções como a dos olheiros, dos capivaras e dos barqueiros são compartilhadas entre vários patrões. No destino final, grandes distribuidores compram a carga e a dividem entre pequenos distribuidores, que estocam as mercadorias em pequenos depósitos (geralmente casas), e iniciam a distribuição para a venda no varejo ou nas feiras.

Duas grandes rotas concentram o transporte de mercadorias no Brasil

Segundo o estudo do Idesf e também informações dos próprios órgãos de fiscalização, o Brasil tem duas grandes rotas de contrabando: a BR-277, no Paraná, e a BR-163, no Mato Grosso do Sul. Somadas, elas têm 4,2 mil quilômetros de extensão e interligam um emaranhado de rotas secundárias, envolvendo rodovias federais, estaduais e estradas rurais. Juntas elas desenham um mapa de capilaridade do contrabando onde é possível observar o quanto essa atividade está impregnando as entranhas do país, influenciando pessoas que vivem nas pequenas localidades por onde as duas rodovias passam.

Recrutamento

Ao longo das rotas do contrabando um exército vai se formando, com mão de obra e infraestrutura de suporte para a passagem das mercadorias. Ali são recrutados olheiros, batedores, carregadores, depósitos. Nessas zonas secundárias também acontecem, de forma mais concentrada, os acertos da corrupção. A maior parte das apreensões acontece no Paraná, em especial no perímetro da BR-277, onde os postos de pedágio, a repressão aduaneira e o controle rigoroso dificultam a entrada do contrabando no país.

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