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Modelo fracassou em outros países

Países europeus e os Estados Unidos já tentaram implantar sistemas de identidade única com bancos de dados centrais, mas os processos não prosperaram devido à resistência da população. Cidadãos temiam que tal sistema pudesse levar à invasão de sua privacidade e ao monitoramento do estado em suas vidas.

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Violação de dados em posse do governo é recorrente

Órgãos do governo federal já falharam na proteção de dados sigilosos em sua posse. Em abril de 2000, uma investigação da Polícia Civil de São Paulo revelou o vazamento de dados de 11,5 milhões de contribuintes. As declarações do Imposto de Renda de 7,9 milhões de pessoas e 3,9 milhões de empresas eram vendidas por até R$ 8 mil por empresas de cadastro para mala direta.

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A implantação de um documento único para a identificação dos brasileiros levanta algumas questões relativas à privacidade e à possibilidade de abusos na vigilância do Estado. A adoção do Registro Único de Identidade Civil (RIC) foi autorizada em lei na metade de outubro, mas ainda depende de regulamentação por meio de um decreto do Executivo. De acordo com o Ministério da Justiça, a ideia é que, até 2017, 150 milhões de brasileiros tenham suas digitais e informações pessoais cadastradas no banco de dados.

O texto da lei prevê que o RIC assuma o papel da identificação dos cidadãos em sua relação com os poderes público e privado, hoje desempenhada por vários documentos, como RG, CPF, Carteira de Motorista, de Trabalho e de Previdência Social. Isso significa que boa parte da vida civil do indivíduo – como a abertura de contas e crédito, compras em que se exige cadastro, pagamento de impostos, entre outros – será associada a um número único e à impressão digital.

Para estudiosos da privacidade, isso aumenta o potencial danoso de fraudes caso o sistema seja violado e as informações vazem. O número único também permite o rastreamento dos indivíduos pelo Estado – poder que, se não controlado, facilita o "vigilantismo".

Fraude

Os riscos associados a uma identidade única advêm do fato de que o papel é apenas uma parte do sistema. Por trás do papel há o banco de dados que concentra as informações associadas a ele – no caso do RIC, todos os documentos que ele substitui e impressões digitais, observa o doutor em Direito pela Universidade do Rio de Janeiro Danilo Doneda, reconhecido como um dos maiores especialistas em privacidade no país. "É o acesso a esses dados que confere muito poder ao seu detentor, seja ele um agente público ou privado. O grau de acesso conseguido é muito alto, pois mesmo digitais podem ser fraudadas eletronicamente", alerta.

A preocupação mais imediata ao cidadão é a possibilidade de fraude. Os detalhes do RIC apresentados pelo Ministério da Justiça até agora citam várias técnicas contra fraudes usadas no cartão, como o uso de materiais especiais, chips e a biometria. Mas pouco se sabe ainda sobre o próprio banco de dados. "Nada garante a impossibilidade de fraude nesse sistema, assim como de venda dessas informações e não há leis ou entidades no país voltadas a isso, não há formas de fiscalização", considera a socióloga Marta Kanashiro, que defende doutorado sobre o uso da biometria no Brasil. Ela elenca a possibilidade de crimes bancários – o "roubo de identidade" –, mas também o uso político e a perseguição, como chantagem e confecção de dossiês.

Vigilância injusta

Outro risco que o RIC apresenta é menos palpável ao indivíduo: o do abuso das informações para um vigilância injusta do Estado sobre a sociedade. Essa possibilidade não deve ser subestimada, pensa o presidente da Comissão de Tec­nologia da Informação do Conselho Federal da OAB, Alexandre Atheniense. É fato que todas as informações do RIC já existem hoje nos bancos de dados de várias instituições, da Previdência Social à Receita Federal, como salienta a Polícia Federal. No entanto, é a maior facilidade de acesso e cruzamento dos dados que aumenta o risco do "vigilantismo". "No universo da tecnologia da informação sabemos que a lei é o que o sistema permite, e quem faz as regras é o seu proprietário. Se não houver uma maneira de limitar o uso cotidiano do banco de dados, é natural que ele seja abusivo", considera.

Uma maneira de limitar os riscos apresentados pelo RIC é por meio da elaboração de uma legislação específica sobre privacidade de dados do cidadão em posse do estado e a criação de um órgão público fiscalizador que abrigue representantes da sociedade civil – a exemplo do Comitê Gestor da Internet. "O Brasil é um dos poucos países democráticos que não tem esse tipo de regulamentação. Se o RIC chegar desacompanhado desse arranjo, veremos um forte desequilíbrio na relação de poder entre o Estado e a população, em detrimento do lado mais fraco", prevê o jurista Doneda. "A falta de participação e transparência no processo de implementação do RIC no Brasil é um fato presente, não uma ameaça futura. É a repetição no Brasil de uma aceitação irrefletida, por parte da sociedade, de processos que nos chegam de cima para baixo", acredita a socióloga Marta.

Mesmo o uso de técnicas avançadas de criptografia não garante uma blindagem de um banco de dados da magnitude que deve ter o RIC. Esses procedimentos podem, no máximo, limitar o número de pessoas que têm acesso irrestrito ao sistema, pondera o PhD em Matemática Aplicada pela Universidade da Califórnia Pedro Rezende. "Você tem a possibilidade de encriptar o banco de dados para que ele seja inacessível fora do sistema central. De qualquer forma, alguém vai ter o segredo do código, seja um grupo de pessoas de alta responsabilidade ou os programadores." O risco em um sistema com criptografia interna pode ser até maior, na visão de Rezende. "Todo sistema está sujeito a falha humana.

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