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Invasão do MST em terras da Arapel: imbróglio se arrasta há 20 anos. | Fabio Conterno/Gazeta do Povo
Invasão do MST em terras da Arapel: imbróglio se arrasta há 20 anos.| Foto: Fabio Conterno/Gazeta do Povo

Há um novo capítulo na história de quase 20 anos de disputa de terras entre famílias de trabalhadores rurais sem terra e a empresa madeireira Araupel, na região Centro-Sul do Paraná. Somente nos últimos 12 meses, dois novos acampamentos de agricultores ligados ao MST avançaram nas terras da empresa. São os acampamentos Herdeiros da Luta 1.º de Maio, que completou um ano recentemente, e Dom Tomás Balduíno, levantado em maio. Eles foram erguidos por filhos e netos de trabalhadores que vivem em três assentamentos na região –Ireno Alves, Marcos Freire e Celso Furtado –, originários de ocupações iniciadas ainda na década de 90, em áreas na época de posse da mesma madeireira.

Mas a recente onda de ocupações agora tem um fator novo: ela ocorre no momento em que o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) abre uma frente de busca por terras para fins de reforma agrária, na qual a estratégia é investigar a titularidade dos imóveis.

Veja as áreas que estão em disputa

Novo momento

No Brasil, a reforma agrária está em um terceiro momento, na visão do superintendente do Incra no Paraná, Nilton Guedes. Em uma primeira etapa, o Incra atuou como uma espécie de fiscalizador da função social da propriedade. Ou seja, cabia ao órgão identificar áreas improdutivas, não utilizadas pelos proprietários, para fins de reforma agrária. Em um segundo momento, o Incra passou a lançar editais para comprar áreas. “Mas hoje poucos proprietários querem vender suas terras”, justificou Guedes. Agora, a nova frente de atuação do Incra é resolver áreas de conflito, priorizando regiões com baixo IDH (Índice de Desenvolvimento Humano). A partir daí, com foco nas áreas onde já há um conflito, o Incra abre frentes para solucionar a questão. Uma delas é buscar a nulidade do título da terra, a partir da investigação da cadeia dominial da área, estratégia adotada no assentamento Celso Furtado, por exemplo. Trata-se da chamada “reforma agrária vertical”. Outra frente que começa a ser estudada pelo Incra é buscar proprietários de terra que também sejam grandes credores da Fazenda. A ideia é trocar a dívida pela terra.

Uma primeira vitória já foi obtida pelo Incra, que conseguiu no 1.º grau da Justiça Federal uma sentença que define que a União é a verdadeira dona da área onde hoje está o assentamento Celso Furtado, o segundo maior do país, com 23 mil hectares. A empresa entrou com um recurso e os efeitos da decisão, por isso, estão suspensos. Ainda assim, a sentença tem mexido com os ânimos na região e o MST já anuncia a intenção de fazer novas ocupações na até o fim do ano. “Depois da sentença, houve uma correria para a região. Tinha mais de 300 famílias de Foz indo para lá. Há uma pressão enorme”, admitiu o secretário especial para Assuntos Fundiários, Hamilton Seriguelli.

Autoridades “têm sido permissivas”, critica Araupel

A madeireira Araupel já obteve na Justiça Estadual duas reintegrações de posse referentes aos acampamentos do MST instalados hoje na região. Na prática, contudo, a empresa ainda não conseguiu recuperar suas áreas.

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Paralelamente, o Incra confirma que deve entrar com uma nova ação de nulidade de título, na tentativa de resgatar uma outra área de posse da Araupel, de cerca de 15 mil hectares e onde hoje está o acampamento Dom Tomás Balduíno. “Fizemos um estudo da cadeia dominial das terras da região e concluímos que a área de 15 mil hectares tem originalmente o mesmo título da área de Celso Furtado, que recentemente a Justiça Federal entendeu pertencer à União”, antecipou o superintendente do Incra no Paraná, Nilton Guedes. Ele prevê que a nova ação de nulidade deve ser proposta até o fim deste mês.

“Eles tentam criminalizar o nosso movimento”

O MST sustenta que a empresa tenta “criminalizar” os trabalhadores e que a Polícia Militar “faz guarita na sede da Araupel”.

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A discussão sobre a propriedade da terra na região percorre séculos da história do Brasil. Para o Incra, a área é originalmente de domínio da União e, no passado, foi indevidamente concedida pelo estado do Paraná a particulares.

História de quase 20 anos

As primeiras ocupações na região Centro-Sul do Paraná aconteceram em meados da década de 90, na esteira de mobilizações organizadas pelo MST em todo país. O “Massacre de Eldorado dos Carajás”, quando 19 trabalhadores rurais sem-terra foram assassinados no Pará, ocorreu nesta época, em abril de 1996. No Paraná, por causa das ocupações de 1996, o Incra conseguiu a desapropriação de duas áreas da Araupel, em um total de 24 mil hectares, formando os assentamentos Ireno Alves e Marcos Freire, entre 1997 e 1998. “As áreas eram improdutivas e nós conseguimos assentar cerca de 1,5 mil famílias”, descreveu o superintendente do Incra no Paraná, Nilton Guedes.

Mas foi em 1999 que começava a surgir o que depois se tornaria um dos maiores assentamentos do país, o de Celso Furtado, instalado em uma área de 23 mil hectares, onde cerca de 40% é área de preservação. Naquele ano, cerca de 900 famílias se instalaram numa área de aproximadamente de 700 hectares de terras da Araupel. Mas, por serem terras produtivas, o Incra não pôde desapropriar e o órgão começou a negociar com a empresa a possibilidade de compra do local.

O auge do impasse ocorreu em 2003, quando a Justiça Estadual determinou a intervenção do governo federal no Paraná, pelo não cumprimento da reintegração. Depois disso, as negociações de compra ainda foram “por água abaixo”, continuou Guedes, “quando se descobriu que havia vício no título de origem das terras”. Em 2004, alegando que a área pertence à União, o Incra entrou com uma ação de nulidade do título da Araupel e já naquele ano o órgão obteve um título provisório do local. Na sentença de maio último, a Justiça Federal de Cascavel acata os argumentos do Incra, mas a empresa acredita que conseguirá reverter a decisão em outra instância.

Segunda geração

No ano passado, quando o assentamento Celso Furtado completou dez anos, filhos e netos dos trabalhadores assentados formaram um novo acampamento, o Herdeiros da Luta, em Pinhal Ralo, localizado em terras da Araupel. “O fato de serem a segunda e a terceira geração de assentados é um bom indicador. Sinal de que os filhos querem seguir a profissão de agricultor. Ou seja, eles não estão seguindo para a cidade”, observou Guedes. O órgão não sabe, contudo, qual será o futuro do acampamento. “Neste caso, não temos nada que indique que a área é passível de nulidade”, comentou ele.

O diretor da Araupel Tarso Giacomet disse ter convicção de que a decisão será reformada em outra instância. Para ele, a sentença é inconsistente. “A favor da Araupel, não há versões ou teses, existem fartos documentos”, declarou. Informado pela reportagem sobre a possibilidade de uma nova ação de nulidade de título, Giacomet respondeu que o processo “não tem a menor chance de êxito”.

Na prática, a sentença não chega a interferir na vida dos trabalhadores rurais do Celso Furtado e no local, que já possui uma estrutura com escola, unidade de saúde e rede elétrica . O despacho avança, contudo, na discussão em torno da indenização que já havia sido passada pelo Incra a Araupel

Para a juíza federal Lília Côrtes de Carvalho de Martino, da 1.ª Vara Federal de Cascavel, que assina o despacho, a indenização de R$ 75 milhões não é devida. “Haja vista que o particular não detinha o domínio do imóvel, não se trata de desapropriação indireta, de forma que não há falar na justa e prévia indenização prevista constitucionalmente, isso porque a União não precisa indenizar a si mesma”, diz trecho da decisão.

Entidade fala de preocupação com empregos e violência

Secretário executivo da Associação dos Municípios Cantuquiriguaçu, João Muniz diz que há uma preocupação na cidade de Quedas do Iguaçu com a manutenção dos empregos. “Não se sabe até quando a Araupel vai resistir. E cerca de 60% da economia de Quedas do Iguaçu é movimentada pela empresa”, afirma. A entidade reúne 20 municípios da região e é presidida pelo prefeito de Quedas do Iguaçu, Edson do Prado (PP).

Segundo dados da entidade, a cidade, que possui cerca de 30 mil habitantes, tem 2 mil pessoas trabalhando em todo o setor madeireiro. “As pessoas temem o desemprego.” A Araupel emprega 1.200 funcionários em Quedas do Iguaçu e planeja contratar mais 400 pessoas até 2016 na nova unidade da empresa, na cidade de Guarapuava.

Tanto o Incra quanto o MST argumentam que os assentamentos também contribuem com a economia local. “Só nos assentamentos Ireno Alves e Marcos Freire são produzidos 300 mil litros de leite por dia. Isso é renda que fica no município”, pontua Lenon Wellington, responsável pela comunicação do MST.

Outro ponto levantando por Muniz diz respeito ao aumento da violência. “A polícia não entra lá. Então vira um local para marginais, esconderijo para bandidos. Em 2014, foram sete homicídios em Quedas. Neste ano, somente até o meio do ano, já foram dez homicídios. A população está apreensiva”, afirma.

Procurada, a assessoria de imprensa da Secretaria de Estado da Segurança Pública (Sesp) não deu entrevista sobre o assunto.

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