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 | CDC Organization/James Gathany
| Foto: CDC Organization/James Gathany

Há 35 anos o mosquito Aedes aegypti , transmissor de vírus que causa dengue, zika e chicungunha, desafia os governos brasileiros e provoca epidemias de dengue quase que anuais. Os primeiros registros da doença ocorreram ainda na segunda metade da década de 1910, mas foi a partir de 1981 que a dengue começou a se espalhar pelo Brasil, e o país passou a apresentar um descontrole no combate ao mosquito. Especialistas da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) afirmam que há erros, tanto por parte do Estado quanto da população, que contribuem para que os surtos e as epidemias ocorram com tanta frequência. Entra governo, sai governo, e as epidemias persistem.

União promete dobrar verba de combate à dengue neste ano

Na semana em que o governo federal anunciou um corte de R$ 23,4 bilhões no orçamento, o Ministério da Saúde garantiu que vai gastar 100% mais no combate à epidemia de dengue este ano do que o empenhado no ano passado. Em 2015, os recursos para a vigilância em saúde equivaleram a R$ 1,29 bilhão. Agora, o valor previsto é de R$ 2,37 bilhões. A verba extra soma R$ 1,08 bilhão e será destinada a reforçar o combate ao mosquito e ao tratamento de doentes.

Apesar da promessa, os municípios sentem a aflição de não ter recursos para custear a emergência da epidemia. Segundo o Conselho Nacional de Secretarias Municipais, as prefeituras empenham, em média, 25% de suas receitas em Saúde. A legislação as obriga a destinar 15% da arrecadação à área, mas esse percentual não costuma ser suficiente.

Veja os vilões que ajudam na proliferação do mosquito.

Deficiências em saneamento básico, além da falta de cuidados com áreas públicas, se somam às mudanças climáticas para tornar o país um ambiente propício ao Aedes aegypti. Pesquisador da Fiocruz, o historiador Rodrigo Magalhães estudou a campanha de erradicação do inseto nos países das Américas a partir dos anos 1920. De acordo com ele, o Brasil foi pioneiro no combate ao mosquito, eliminando-o em 1955, junto com outros vizinhos, num esforço internacional. Na época, o Aedes era uma ameaça por transmitir a febre amarela.

Mas, ignorando o poder de infestação do mosquito e confiando na sua erradicação, iniciou-se um processo de sucateamento da estrutura usada pela campanha, deixando o país vulnerável. As primeiras baixas nos programas de controle ao Aedes aconteceram no período de Juscelino Kubitschek, estendendo-se, posteriormente, pelos governos militares. Para Magalhães, a retomada do combate ao mosquito pelo governo, após a epidemia de 1981 no Rio de Janeiro, não acompanhou a velocidade da infestação.

“O Aedes aegypti foi erradicado no Brasil em uma campanha continental. No entanto, o trabalho de combate nas Américas não foi concluído no Caribe e, no Sul dos Estados Unidos, não atingiu o objetivo. O governo americano enfrentou resistências internas políticas e científicas em relação à campanha. Ao acabar com serviços que faziam o controle do mosquito e sucatear a estrutura montada para a campanha, o Brasil ficou vulnerável e permitiu a entrada do mosquito. No Norte, chegaram Aedes aegypti dos Estados Unidos e, no Nordeste e Sudeste, vieram do Caribe”, explica.

Falta de saneamento básico, destinação do lixo e mudanças climáticas são alguns dos vilões

Pesquisadores do Departamento de Saneamento da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP/Fiocruz), Marcelo Araújo e Paulo Barrocas apontam o descaso sucessivo dos governos com o saneamento básico como motivo para que as epidemias de dengue continuem a fazer vítimas no país. Segundo Araújo, há um descuido acentuado com o destino do lixo e com o cumprimento de metas de saneamento. Programas de saneamento, diz o pesquisador, têm execução lenta, e falta vontade política aos governos para executá-los.

Números divulgados pelo Ministério das Cidades neste mês vão ao encontro das afirmações do pesquisador. Com o contingenciamento de recursos pelo governo federal, a pasta já admite que o país não cumprirá a meta de ter 93% da população com acesso à rede de coleta de esgoto até 2033. Em 2014, o percentual chegou a 42,4%.

“Temos também a questão do lixo. Não adianta a população eliminar criadouros se existem terrenos baldios sujos. Nesses casos, há falhas mútuas: o Estado não mantém uma coleta eficiente de resíduos, e algumas pessoas insistem em jogar lixo nas ruas. Existe a preocupação com o privado, e o descaso com o público”, afirma Araújo, ao chamar a atenção para o sistema de drenagem das casas. “As campanhas contra dengue citam, por exemplo, os pratos de vasos de plantas que acumulam água. Mas esquecem de falar de erros nos projetos de telhados, com caimentos irregulares que acumulam água.”

Já Barrocas aponta mudanças climáticas e falhas na infraestrutura das cidades como complicadores. Segundo ele, as chuvas passaram a ser mais intensas e a cair em intervalos pequenos. É comum chover em poucas horas o esperado para uma semana ou um mês. Com isso, o solo urbanizado não absorve a água, a rede de drenagem não é suficiente para o escoamento do volume d’água excessivo e as poças viram criadouros.

Longos períodos de estiagem levaram moradores de estados como São Paulo − que enfrentou uma das piores secas ano passado − a estocar água. Sem o cuidado devido, reservatórios caseiros viraram chamarizes de mosquito. “Abastecimento de água tratada também faz parte do saneamento. Estados que não se preparam para estiagem falham. Estocar água é um convite ao Aedes aegypti. No ano passado, São Paulo enfrentou uma estiagem forte. Os casos de dengue dispararam”, analisa Barrocas.

Para os dois pesquisadores, o Aedes aegypti ainda vai conviver com muitos governos.

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