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Motoristas colaboradores pagam diárias de até R$ 200 para trabalhar

Enquanto uns lucram com permissões públicas, taxistas que realmente exercem a profissão atuam em precariedade. A legislação permite que cada autorizatário nomeie até dois motoristas colaboradores. Entretanto, isso tem preço: quem não detém a placa paga aos "donos das placas" diárias que variam de R$ 120 a R$ 200. "É como se o taxista começasse o expediente devendo R$ 200 ao ‘dono’ da placa. Só depois que levantar o dinheiro da diária e do combustível é que ele começa a ganhar", aponta o presidente do Sindicato dos Taxistas do Estado do Paraná (Sinditáxi-PR), Abimael Mardegan.

Aqueles que trabalham diretamente para empresas de táxi, no papel, recebem remuneração fixa. Mas, segundo o Ministério Público do Trabalho (MPT), na prática o pagamento ocorre de outra forma: do valor que eles arrecadam ao longo da jornada, as empresas descontam um valor fixo (cerca de R$ 1,40) por quilômetro rodado.

"Sabugos"

Na gíria do meio, os motoristas colaboradores são conhecidos pelo apelido pejorativo de "sabugos", por causa das condições de trabalho a que são relegados. Viram madrugadas em corridas para fugir do prejuízo, com jornadas que ultrapassam 12 horas. A eles não são assegurados direitos básicos, como férias ou 13º salário. Alguns nem sequer conseguem folgar aos finais de semana. Ainda assim, sonham com sua placa.

"É necessário que se cumpra a lei: que as placas sejam cedidas por licitação e a quem realmente exerça a atividade", opinou o taxista Rodnei Fernando Carneiro. "A gente [os colaboradores] está trabalhando para alimentar este pessoal que só explora o serviço como investimento financeiro. As placas deveriam ser relicitadas", diz o taxista Adílson Ricardo.

Delegada de SC aluga placa de táxi curitibano

Com a falta de fiscalização, até quem não mora no Paraná mantém sob seu nome autorização do serviço. É o caso da policial civil Inara Danielle Marques Drapalski. Ela diz que foi taxista em Curitiba por dez anos e que há um ano assumiu como delegada em Garuva (SC). Hoje, dois motoristas dirigem o táxi dela – permissão AT-548 –, mediante o pagamento de diárias a valores que ela não revela. "Caso não haja nenhum impedimento, eu não vou me desfazer [das placas], não", disse. Ela não vê irregularidades no caso.

A licença AT-921 também está cedida a quem não atua na atividade de taxista: a médica veterinária Karina Stella Suckow. Ela explicou que, por exercer outra profissão, quem "administra" a placa é o pai dela. Mas quem de fato dirige o carro, segundo ela, são outros dois taxistas.

Além deles, a reportagem localizou dois médicos, dois engenheiros, produtores rurais, empresários, policiais aposentados e até funcionários públicos, dentre outros profissionais, que detêm autorizações para explorar o serviço de táxi.

700 novas placas devem ser emitidas ainda neste ano, ampliando a frota que hoje é de 2.252 táxis. O problema é que as irregularidades detectadas lançam dúvidas não só quanto à transparência no processo de permissões, mas também em relação às placas já licenciadas. Os beneficiários das novas licenças vão, de fato, atuar como taxistas?

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Médicos, advogados, poli­­ciais, funcionários públicos e empresários. Há décadas, pessoas que nunca estiveram ao volante de um táxi detêm placas deste serviço em Curitiba. Lucram ao menos R$ 3 mil por mês sem rodar um único quilômetro nos conhecidos carros alaranjados. Como? Arrendando placas ou cobrando diárias de outros taxistas que não têm permissões. A prática gera uma lógica perversa: autorizações públicas viram uma modalidade de investimento nas mãos de quem não exerce a atividade, enquanto taxistas de carreira são relegados a uma condição de subemprego.

INFOGRÁFICO: Veja como estão distribuídas as permissões para taxis em Curitiba

O Decreto 1.959/12, que regulamenta o serviço de táxi em Curitiba, determina que os autorizatários (a quem as per­­missões são cedidas) devem dirigir o veículo por pelo menos um terço do período. Não é o que se vê na prática. Questionário aplicado pelo Ministério Público do Trabalho a 101 taxistas aponta que 80% dos permissionários não trabalham diretamente nos carros. O uso das placas como investimento fomenta um mercado paralelo em que permissões chegam a valer mais de R$ 200 mil. Virou negócio rentável.

Licenças suspeitas

Um levantamento feito pela Ga­­zeta do Povo chegou a 45 autorizações sob indícios de irregularidades. Pelo menos seis destes permissionários não podem alegar que desconhecem a lei: são advogados. Um de­­les é Jefferson Camilo de Siqueira que, desde 2005, detém a permissão AT-912. Ele diz que chegou a dirigir o táxi por dois anos, mas desde então dois motoristas se revezam ao volante, pagando diárias ao advogado. Enquanto isso, Siqueira atende seus clientes em escritórios em Campo Largo e Curitiba.

Sobre os valores que cobra dos taxistas, ele desconversa. "Não é uma coisa assim: ‘nossa como ele ganha dinheiro’. Eu acabo ganhando menos do que quem trabalha [no táxi]", afirma. O pai dele, Camilo Siqueira, também tem uma placa, a AT-5.

Dalva Sabino Casagrande é nutricionista, mas mantém em seu nome a autorização AT-1817. Ela confirmou que detém a placa, mas não quis dar detalhes sobre a exploração do serviço. Marido dela, o advogado Joamir Casagrande informou que a mulher está cadastrada na Urbs, mas não quis confirmar se Dalva dirige ou não o táxi. Outro advogado com o mesmo sobrenome – Carlos Alberto de Oliveira Casagrande – também detém uma placa, a AT-1068. Entre os Casagrande, há ainda uma dentista e a dona de um supermercado com permissões de táxi.

Procuradora aponta vínculo empregatício

Procuradora do Ministério Público do Trabalho (MPT) do Paraná, Margaret Matos de Carvalho avalia que podem ficar comprovados vínculos empregatícios na relação entre os motoristas colaboradores e os taxistas que detêm as autorizações. Ela aponta que, com a nova lei trabalhista, os permissionários não estão seguros em eventuais ações movidas pelos motoristas que pagam diárias para trabalhar nos táxis ou que arrendam as placas.

"Não será difícil ao colaborador comprovar a relação de emprego. É o meu entendimento. Exceto se, no caso concreto, houver demonstração de clara inexistência de requisitos legais de configuração do vínculo empregatício", disse.

O MPT apura questões vinculadas ao serviço de táxi em Curitiba desde 2009. Além de depoimentos detalhados dos próprios taxistas, informando uma miríade de irregularidades, o órgão aplicou um questionário a 101 motoristas que atuam no sistema. De forma sigilosa, eles responderam a 27 questões, que abordam desde aspectos trabalhistas a vendas de placas no mercado paralelo.

Para o promotor Gláucio Araújo de Oliveira, as irregularidades demonstram que a fiscalização por parte da Urbs não está sendo realizada de forma efetiva. Outro entrave é o fato de os colaboradores permanecerem no anonimato, o que enfraqueceria ações movidas pelo MPT. "Além disso, a Câmara de Vereadores sempre está votando leis municipais que blindam as práticas irregulares, criando mecanismos para que esta situação se perpetue", disse. Resta saber como as permissões foram distribuídas para pessoas que não atuam no setor.

Urbs não descarta fazer "pente-fino"

O presidente da Urbanização Curitiba S/A (Urbs), Roberto Gregório da Silva, disse que ainda não há uma definição sobre os critérios para a liberação de 700 novas placas, mas confirmou que a empresa – responsável pela regulamentação do serviço de táxi em Curitiba – não descarta a realização de um "pente-fino" em todas as autorizações já expedidas. A prefeitura e a Urbs têm poder para cassar ou revogar as permissões. "É importante a gente considerar não só o que temos pela frente, como o que já está licenciado", disse.

Enquanto uma equipe técnica da Urbs faz uma série de levantamentos internos, o presidente tem se reunido com taxistas, sindicato e centrais de táxi. Gregório adiantou que pretende fazer uma audiência pública nas próximas semanas para debater o tema de forma aprofundada.

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