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ão há evidências de que Omar Sedique Mateen, o atirador de Orlando, tenha recebido ordem do Estado Islâmico (EI) para massacrar 49 pessoas em uma boate frequentada pela comunidade LGBT. O EI até pode reivindicar o ataque como sendo de sua autoria, porém, o mais provável é que o extremista fosse um radical autodoutrinado pela internet. Se for essa a história, estamos diante de uma modalidade de terror “emergente”, aleatório e descentralizado, cujo combate é mais difícil que desmantelar células terroristas nas montanhas do Afeganistão.

O enredo envolve, de um lado, leitura de propaganda extremista na internet e nas redes sociais, e, de outro, ausência de propósito para uma vida plena. Tudo começa com comportamentos simples – cidadãos nacionais leem conteúdo radical islâmico, trocam informações pela rede com outros interessados que podem estar em qualquer lugar do planeta. Apoiam-se uns nos outros, reforçando mutuamente suas convicções, em favor da causa. E, em algum momento, a partir dessas ações emergem padrões complexos – são desferidos ataques terroristas sem ordem de um comando central. O fenômeno é conhecido por “emergência” – atos simples geram padrões de comportamento complexos.

Isso já acontece na Europa. Nos últimos anos alguns milhares de jovens foram buscar um propósito de vida nas fileiras do EI e da Al Qaeda. Essas organizações têm propaganda eficaz, que se difunde da mesma forma que um “meme”. Quando esse termo surgiu em 1976, na obra “O Gene Egoísta”, de Richard Dawkins, foi usado como uma metáfora para explicar que pedaços de informação, símbolos e sons se propagavam pelos cérebros das pessoas. Algumas ideias, ou memes, eram mais adaptáveis, tornavam-se bem-sucedidas e tinham o poder de contagiar multidões. Outras, morriam cedo – eram relegadas ao esquecimento. Pode-se dizer que hoje a internet e as redes ajudam a potencializar a difusão dos memes da intolerância e do extremismo, facilitando a emergência do terror.

Dentro desse contexto, o terrorismo tem diante de si todos os elementos para se impor como ameaça em escala global de uma forma jamais vista. O atirador de Orlando é só a prova mais recente de que uns poucos “lobos solitários”, ainda que sem receber ordem prévia, mas conectados com uma causa qualquer, podem causar estragos permanente nas sociedades. Além do sofrimento e comoção geral, eles perpetuam a sensação de insegurança.

Não importa que hoje as nações atingidas pelo terror sejam as mais desenvolvidas. É possível que, por motivos os mais banais, em algum momento venha a ocorrer em países periféricos, como o Brasil. Afinal, o extremismo não precisa ser islâmico. Poder ser decorrente do neonazismo ou de outras frágeis correntes que percorrem os subterrâneos da internet.

O ponto chave é como as sociedades vão estar preparadas para lidar com uma ameaça tão volúvel. O terror emergente traz a morte ao acaso. Por não partir de uma rede de comando organizada, é praticamente impossível de prever. E por ser fundado em propósitos de vida, ainda que disfuncionais, tem alto potencial de sedução. Além disso, é escalável, graças às redes sociais e à internet.

Não há uma resposta simples. Pode-se começar usando contra o terrorismo os mesmos instrumentos que o alimentam. Internet, redes são excelentes suportes para aplicativos cívicos e jogos – boas armas para contrapor tendências distópicas. Mas, talvez, o passo mais relevante seja criar condições, de forma escalável, para que as pessoas possam trilhar caminhos de descoberta de propósitos para uma vida plena. O século 21 viu nascer uma geração que deposita boa parte de sua energia em busca de um sentimento de propósito para viver, sentir e trabalhar. Espalhar bons propósitos, com a ajuda da tecnologia, pode dissipar o terrorismo antes mesmo de ele se tornar uma opção de morte para alguns indivíduos.

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