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A noite estava estranha, diferente. O céu azul marcado por manchas vermelhas prenunciava tragédia. A terra do café vivia um inverno rigoroso como nunca antes e temia a grande geada.

Em anos anteriores, ocorreram algumas, que apesar de terem chamuscado as folhas verdes dos cafeeiros, não chegaram a prejudicar as lavouras. Agora, o povo da roça estava apreensivo. Os colonos juntaram gravetos que, reunidos em montes, foram colocados entre os cafeeiros.

À noite, pequenas fogueiras seriam acesas na tentativa de minimizar as consequências do frio. Em Curitiba, a neve caíra em forma de pequenos flocos brancos, deixando a população maravilhada. No entanto, as baixas temperaturas que encantaram os curitibanos com a neve, trouxeram para o Norte a geada que assombrou os cafeicultores.

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A Geada Negra foi a maior que aconteceu no Brasil. O Paraná, que até então, tinha sua economia dependente da produção cafeeira, viu mudar definitivamente as configurações econômicas do estado e da Região Norte.

A tragédia ocorreu em 18 de julho de 1975. A temperatura foi caindo e, na madrugada, os termômetros despencaram. O orvalho congelado resultou na grande geada que matou mais de 850 milhões de cafeeiros. Não existia mais nada verde, o cafezal era uma floresta de pés pretos, completamente queimados, esturricados. Um horror.

Naquela manhã, pequenos grupos reunidos em cada esquina da rua principal da cidade, tentavam entender o ocorrido. Alguns choravam, incrédulos. As mulheres, aturdidas, se enfiaram na igreja e a crianças se mandaram para os sítios para ver o desastre.

Eu também fui testemunha da catástrofe e participei da sequência dos acontecimentos. Já morava na pequena cidade de Primeiro de Maio desde 1949 e ali vivi até 2011. Neste tempo todo, nenhum acontecimento foi mais impressionante e desolador do que o fenômeno que se abateu sobre a lavoura cafeeira em 1975. E consequentemente, afetou a situação demográfica da zona rural do norte paranaense.

No Norte do estado, antes da geada, morava mais gente no campo do que na cidade. Em Primeiro de Maio, não foi diferente. Em 1970, havia 25.185 rurais e 6.108 urbanos. A partir de 1980, os números se inverteram. Em 2013, o IBGE contou 11.189 habitantes, vivendo menos de 700 na área rural.

Sem o café, muita gente foi dispensada. Os trabalhadores perderam tudo, nem trabalho nem segurança. Por outro lado, os ex-cafeicultores trocaram o café pela soja e o trigo e o homem pela lavoura mecanizada. Optaram por residir na zona urbana próxima de suas terras. Ao todo, deixaram a roça, mais de 2 milhões de trabalhadores rurais. A maioria se transferiu para lugares com melhores oportunidades de trabalho e muitos viraram boias frias. O fim dos cafezais resultou, ao longo dos anos seguintes, em um dos maiores êxodos populacionais ocorridos no Brasil e um dos maiores do mundo.

Assim surgiram as periferias nas grandes cidades.

* Vera Maria Biscaia Vianna Baptista é autora de Curitibanos dos Campos Gerais e de A longa viagem perto de casa – Eusdaldunak, o homem de Biscaia

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