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 | Alexandre Mazzo/ Gazeta do Povo
| Foto: Alexandre Mazzo/ Gazeta do Povo

O padre Jorge Morkis tem "as armas de Jorge". Em segundos, esse homem pequeno, de 73 anos, dono de fala breve e sussurrada, rende seus interlocutores. Difícil sair da barra de sua túnica. Ora se quer saber de suas impressões de viajante – há meio século missionário no Brasil, chegou sabendo apenas ser a terra do café, Pelé e Carmen Miranda. Ora dos tempos em que editou o jornal polonês Lud – marco da comunidade polônica no Paraná. Quando não, fascina ao falar da infância passada na região das minas de carvão da Silésia. Ou ao falar de suas memórias com Karol Wojtyla, que lhe conferiu as primeiras ordens, em Cracóvia, antes de se tornar o papa João Paulo II. "Temos fotos juntos", gaba-se.

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Nos últimos cinco anos, contudo, esse religioso vicentino – morador do imponente convento de sua congregação, no Alto São Francisco – passou a ser lembrado menos pelas alegorias do seu passado e mais pelo emprego que abraçou quando já estava em dias de se aposentar. O doce Morkis é o exorcista oficial da Arquidiocese de Curitiba. E ao contrário do que se pode suspeitar, não trabalha apenas de vez em quando.

Sua rotina de atendimentos é tão diabólica que nos primeiros meses deste ano o padre acabou acamado por um acidente vascular cerebral. "Ele quer me derrubar", avisa, como se falasse de um vizinho do condomínio. É guerra. Mesmo adoentado, padre Morkis continua dando expedientes diários na Livraria Nossa Senhora do Equilíbrio, no Centro, onde abençoa e aconselha almas atormentadas. Algumas lhe consomem poucos minutos. Outras, um ano inteiro.

"Não posso dizer quantas possessões atendi", avisa, durante a entrevista em que cada palavra foi medida com régua. É tema de causar tremiliques. Mas Jorge, vez em quando, baixa a guarda e leva às risadas. Fala de filmes de terror – que assiste com faro de investigador – e dos ex-endemoninhados que não voltam para uma visitinha cordial. "Mau sinal", diz.

A entrevista foi feita no quarto do padre Morkis. É "cela" de 12 metros quadrados. No alto da cama, forrada com um cobertor do Rei Leão, reina uma ilustração de Jesus Misericordioso. Não falta a Virgem de Chestokova à esquerda, o livro vermelho do exorcismo sempre à mão e óleo bento guardado num frasco do remédio Valkapine, na cabeceira. "Ele" que não se engane.

Para que time torce o exorcista?

Coritiba. [risos]

Prato preferido?

Churrasco.

Como o senhor foi chamado para o sacerdócio?

Desde criança eu queria ser padre. Ia à missa e pensava: "Vou ser assim". As meninas me chamavam de padreco [risos]. Minha família não aceitou bem – as tias queriam que eu fosse advogado, médico... Depois essas mesmas tias me recebiam com grande festa.

Tem vontade de voltar para a Polônia?

Não. Quando vou lá visito mais cemitérios do que casas.

Por que abraçou o exorcismo?

[Pausa] Percebi que as pessoas estavam muito afetadas pelo espírito do mal. E lembrei que no Evan­­gelho temos muitas narrativas de expulsão dos demônios. Muitos pensam que esses episódios se referem a doenças. Mas muitos males foram desvendados, e o maligno não desapareceu. O maligno existe – é um anjo que se rebelou contra Deus. [Pausa. Mostra sua nomeação para ser exorcista e pede que seja lida em voz alta].

Exorcizar é um dom?

Antes dos 70 anos, nunca tinha passado pela minha cabeça ser exorcista. Comecei abençoando gente com dificuldades. Mas passaram a aparecer casos cada vez mais difíceis. Algumas pessoas tinham procurado médicos, psicólogos, psiquiatras, e nada. Percebi que eu era a última alternativa para os que me procuravam. Deduzi que estavam afetadas pelo espírito do mal. Vejo as piores coisas que se pode imaginar. São milhares de casos. É uma missão que Cristo me deu – a de curar e expulsar.

Quantos exorcismos o senhor já fez?

Comecei em 2007. Responder quantos beira a confissão. Não quero anotar. Foram centenas. Exorcismo é bênção. As pessoas vêm mais de uma vez para receber, mas esquecem que em qualquer contato com o maligno volta tudo de novo. O pecado, ódio, a raiva, a falta de perdão abrem a porta para o mal. É isso.

Qual é o perfil das pessoas que o procuram?

Mulheres, na maioria. Os homens não acreditam. Um dia apareceu um aqui e perguntei por que tinha vindo. Disse que o filho, de 3 anos, não falava nem andava. Depois da bênção, falou e andou. Mas era o pai quem precisava de uma bênção.

Quando ocorre uma possessão?

Um dos sinais é o surto. O possesso ganha uma força física maior do que a idade lhe permite. Há crianças que mal podem ser seguradas por adultos. O possesso tem também aversão ao sagrado – à cruz, à água benta, à Igreja. Nunca vi, mas existem os que levitam, não raro durante o sono. Ao acordar [faz gesto de um baque] caem na cama.

O senhor tem medo do demônio?

O AVC que tive veio dele. Queria me derrubar. Deus permitiu que eu melhorasse e continuasse a atender. [Pausa] Prefiro não dizer nada. Eu deveria ter medo, mas não quero afirmar que tenho medo porque o inimigo vai fazer que eu tenha [risos]. Confio em Deus. Nunca fui agredido, mas meu livro de ritual já foi atingido por um chute. Procuro ficar longe.

Já sentiu a presença do demônio?

A pessoa fica alterada e logo vejo. Ela treme, sua ou grita. O demônio ataca pernas, estômago – o possesso vomita –, mas nem todo vômito é possessão. Outro sintoma é sentir frio. Quando fica inconsciente, posso perguntar para o demônio "como ele se chama?"; "o que quer?"; "quando vai – ou vão – sair?" Percebo alteração de voz, mas nem sempre. O possesso pode falar em outra língua.

Como o diabo é?

Não posso responder. Seria como cutucar o demônio. Não devo dizer nada que o deixe nervoso. Ele é soberbo, bravo, não se pode contrariá-lo. Ele me ridiculariza. Diz: "Você não é nada." São vários demônios. Todos anjos caídos, com grandes poderes. Podem, inclusive, fazer prodígios e milagres, como tirar febre e dor de cabeça. As pessoas ficam admiradas. Impressionadas, vão a lugares onde eles estão agindo.

O diabo existe na forma como imaginamos?

Existe. E é pior do que pintam. Não é como o chifrudo. É um monstro. Se o víssemos, morreríamos. Ele pode falsificar até aparições de Nossa Senhora, daí a cautela da Igreja em reconhecer tanto possessões quanto aparições.

Como o demônio "sequestra a alma"?

Muitos dizem sentir mal-estar. "O mal está". Quando ficam livres, se sentem diferentes. No ritual, peço que ele se afaste. Dou uma ordem, mas é astuto, perverso, mentiroso, odeia. Travamos uma luta intelectual. E o padre pode perder.

O senhor já perdeu?

[Pausa] Uma vez ele me perguntou: "Jorge, o que você quer de mim?" Ele sabe o que quero. Por que pergunta? Fiquei quieto. Se perguntasse de novo, diria: "Você é mais inteligente do que nós. Vive no mundo material e espiritual. Não dorme. Tem a experiência de milhares de anos. Mas sabe que está em uma posição perdida. Por que atormenta essa pessoa?"

Qual é o exorcismo mais difícil?

Todo o exorcismo é difícil, só que tem variações. Uns demoram minutos. Outros, um ano. Uma pessoa é mais violenta. Quando grita é sinal de que vai sair. Alguns já quebraram a casa. Preciso de duas a três pessoas para segurá-las. Se eu não visse a possessão, talvez não acreditasse. Na minha comunidade, os padres são descrentes. Ninguém fala comigo sobre esse assunto.

O senhor já foi tentado pelo demônio?

Todos já fomos tentados. Quando temos dúvidas sobre a existência dele, por exemplo... O exorcismo é para casos de pessoas excepcionalmente afetadas. O normal é a tentação. Mas quando se vê vultos e ouve vozes, aí...

As expulsões são cansativas?

Sim. Temos de tirar objetos perigosos de perto do candidato ao exorcismo. Um xale no qual possa se enforcar, por exemplo. Uma vez, o pai de uma possessa carregava um cordão grosso de ouro no pescoço. A filha o quebrou com os dentes. Fico cansado, mas é estranho. Não é físico, é espiritual. Os demônios usam as pessoas. Eu estou expulsando e ele dá risada ao meu lado. Ajo como um médico que tem de enfrentar doenças contagiosas. Tenho milhares de casos e eles se repetem, com detalhes diferentes. Como um médico que aperta o corpo, aperto o espírito.

O que é lenda e o que é verdade?

Não me admiro com nada. Tudo pode acontecer. Tem quem sinta o inimigo com imagens, vozes, cheiros. Há fenômenos estranhos, mas não é como no filme O exorcista. A natureza do demônio é se esconder. Faz tudo para que se acredite que não existe. Em muitos casos, consegue.

Vivemos um momento favorável para a ação do demônio?

Maximiliano Kolbe [santo católico, mártir da Segunda Guerra] dizia que o século 20 seria o do domínio do diabo. E o século 21 faz piorar. Os meios de comunicação mostram muita droga, sexo e desordem, o que facilita o pecado. Já viram as coisas do demônio na internet? É horrível.

Usa-se a expressão "fulano vendeu a alma para o demônio" para conseguir dinheiro e sucesso. Há um grau de exagero nisso?

Afirmar 100%, não posso. Mas pessoas me confidenciaram que queriam fazer esse pacto. E vieram procurar ajuda por causa disso.

A parapsicologia não explicaria todos os fenômenos atribuídos ao demônio?

O espírito é invisível, como o vento. Todos nós sabemos que o vento existe quando a folha farfalha. Sabemos quando tem espírito ruim. Para quem acredita em paranormalidade, tudo é paranormal. Não existe a possessão. Quer-se explicar cientificamente as manifestações espirituais. Se a pessoa fala outra língua sem estudar, dizem que quando ela estava no ventre sua mãe teve contato com um professor, passando o conhecimento para a criança. O demônio sabe falar todas as línguas. Eu tenho um argumento para os psiquiatras, médicos e psicólogos. Por que a oração faz melhorar? Eles dizem que é uma sugestão, um placebo. Eu digo que não.

Série Entrevistas | 4:21

Desde 2007, o padre polonês Jorge Morkis acompanha, oficialmente, casos de possessão demoníaca registrados na Arquidiocese de Curitiba. Confira duas preces que o religioso ensina.

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