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Retrato em 3 X 4

Rosane Maria dos Santos tem 37 anos e é recepcionista no campus de Comunicação da Universidade Federal do Paraná. Nasceu em Cerro Azul, no Vale da Ribeira, e mora em Colombo, na Região Metropolitana de Curitiba. Cursa o primeiro ano do ensino médio, no Educação de Jovens e Adultos (EJA). Tornou-se leitora depois dos 30 anos, ao enfrentar o assassinato do filho, de 16 anos, por bala perdida.

"Minha mãe é analfabeta. Meu pai sabe ler e escrever um pouco. Não tive livros em casa. Mesmo assim, meus pais diziam que estudar era importante. Estudei só até a quinta série porque só tinha até essa etapa na minha cidade. Fui uma aluna mediana. Tinha aversão à leitura. Além do mais, os livros da escola não podiam ser levados para casa. Nosso único meio de informação era o rádio.

Digo que meu tempo de escola foi uma fase feliz da minha vida. Eu não conhecia outra coisa, então achava bom. A gente trabalhava na roça e às 11h30 parava para ir estudar, que era precária, uma escola rural, sem biblioteca. A professora fazia quatro fileiras – cada uma delas era uma série diferente. A gente escutava o que a professora falava para as séries mais adiantadas e aprendia alguma coisa. Bullying? nem se falava. Eu e meus irmãos não tínhamos calçado. A gente ia descalço. Os outros caçoavam, mas tinha um monte de gente na mesma situação. A gente achava que vindo para a cidade seria fácil, mas não foi. Eu era criança quando vim para Curitiba, mas em vez de estudar fui trabalhar como babá.

Não lembro de ter ganhado livro de presente na minha infância, só na vida adulta. Até pouco tempo, eu não gostava de ler. O primeiro livro que li é da literatura espírita e me foi dado na ocasião em que meu filho foi assassinado, por bala perdida, quando estava indo para a escola. Ele ficou nove dias em coma e morreu no mesmo dia em que a professora Benigna [Martinelli de Oliveira], da UFPR, foi assassinada [em 7 de março de 2008].

Eu vi o filho da professora no hospital. Aquela situação me parecia confusa. Achava que meu filho tinha morrido daquele jeito porque eu sou pobre, moro em Colombo e porque não tinha computador em casa [Rafael, o adolescente, saía de uma lan house em direção à escola]. A professora Benigna não era como eu e estava lá, do mesmo jeito.

Depois da morte do meu filho entrei em depressão. Foi quando comecei a ler. Se não fossem os livros acho que eu teria morrido junto. O primeiro foi um livro espírita dado pela comadre da minha irmã. Não lembro o nome. Depois disso, foram 32 livros em seis meses, incluindo romances e livros de autoajuda.

Eu lia para fugir do sofrimento. Não conseguia falar do assunto. Nunca vou me livrar dessa dor. Mas peguei gosto. Os livros me ajudaram. O melhor psicólogo do mundo é o livro. Aprendi a não reclamar da vida. No momento da leitura estava vivendo uma outra vida. Talvez de todos os livros dessa fase o mais importante tenha sido A cabana [de William P. Young, uma história sobre um homem que tem uma filha desaparecida e assassinada]. Estou relendo.

Leio o que me dão para ler. Sou uma leitora anárquica. Li Monteiro Lobato, que parece algo tão antigo. E também rejeito o que não acho legal. Esses tempos me emprestaram Marley e eu [de John Grogan], mas não li porque já tinha visto o filme.

Tendo um tempinho, leio. Levo um livro sempre na bolsa comigo. Leio no trabalho. Leio em casa. Respeito muito o espaço dos outros – se meu marido está no computador, que ele adora, eu vou ler. Em volta de mim, as pessoas me criticam. Dizem que eu estou fechada no meu mundo. Mas no mundo do trabalho [na UFPR] eu sou valorizada porque sou leitora.

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