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Em rodas de convivência ouvimos com frequência que no passado – aquele, por exemplo, dos pais e avós – a vida possuía um comportamento mais uniforme e suas relações se fundamentavam numa espécie de confiança mútua selada pela responsabilidade. Nos mesmos espaços de interação, comungamos com convicções cada vez mais definidas de que o futuro parece se desenhar com contornos de instabilidade. Em tal futuro estariam fragilizados tanto a vida quanto seus comportamentos, tanto os pactos de confiança quanto os graus da responsabilidade para com o mundo. É na certeza desse sentimento de instabilidade que é possível localizar uma das chaves para a leitura de nossos comportamentos urbanos.

Uma cidade é formada por seus habitantes, todos eles personagens de uma história repleta de tensões. Quem são? Onde estão? O que pensam? Quais são os seus projetos? Que utopia os anima? Se levarmos em consideração o contexto de instabilidade, a resposta a estas perguntas será construída sob o signo de uma densa relatividade, tão característica deste nosso tempo. Nada mais se fixa; a duração dos empreendimentos não passa de um instante, a permanência se desintegra constantemente. O valor, amálgama da vida pessoal e social, não se estende para além de algumas horas ou de alguns dias. A provisoriedade parece ser o padrão que indica a intensidade de nossos compromissos éticos. Aquilo que em um tempo soa como necessário e dotado de valor, noutro, é destinado ao descarte. Nossas cidades se equilibram em um tempo em que a instabilidade involuntária reclama como única condição de valor o aproveitamento pragmático.

Nesse ambiente, onde o dramático não tem origem na escassez, mas na superabundância, os habitantes de uma cidade oscilam entre o relativo e o útil. De um lado a múltipla possibilidade, de outro, os desafios para a sua conquista. Tudo está ao seu alcance. Com esforço sincero ou com artifícios escusos (recordemos o tão famoso jeitinho), mais cedo ou mais tarde terminará por conquistar o que lhe foi proposto como sendo significativo e necessário. A conquista lhe valerá a inclusão enquanto que a derrota o fará ser contado entre o número dos perdedores. Dessa maneira, o ditado popular recobra seu valor: "quem pode mais chora menos".

Uma guerra surda é, por isso mesmo, constantemente vivenciada e pode ser localizada no esforço para que algo seja conquistado a qualquer custo. Se, como afirmam os gregos antigos, e nós em uma caricatura o repetimos: o homem é a medida de todas as coisas, então, acabamos por nos convencer de que de fato, os fins justificam os meios.

O duplo discurso é uma das características dessa, que ousamos chamar de cidade da instabilidade. Parece ser ele o instrumento pelo qual se torna possível conciliar, em um tempo de incertezas, o necessário e o supérfluo. Um discurso que, com insistência, proclama a diferença destacada do homem enquanto racional e, noutro, rende-se às artimanhas da mais inferior leviandade.

Mas a cidade é também, sementeira de possibilidades. Os espaços de superação, não são conseguidos por algum tipo de encantamento. A ética não pertence à ordem da magia, mas àquela da razão. A confiança nos processos educativos é ainda a única forma privilegiada de redefinir e redirecionar os argumentos que levam o homem a optar por este ou aquele caminho na edificação de seus ideais de vida. A cidade além de educar deve ser educada. Todo rosto que dela se colhe em um tempo pode, em outro, ser modificado; a obra é sempre de nossas mãos, seus personagens.

Bortolo Valle, doutor em Comunicação e Semiótica e professor da PUCPR, UniCuritiba e FAVI

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