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No Paraná, detentos ligados a facções estão concentrados na Penitenciária Estadual de Piraquara (PEP) | Henry Milléo/Gazeta do Povo
No Paraná, detentos ligados a facções estão concentrados na Penitenciária Estadual de Piraquara (PEP)| Foto: Henry Milléo/Gazeta do Povo

As facções criminosas viraram um critério formal para a separação de detentos dentro das cadeias de todo o país. Pelo menos 13 estados, entre eles o Paraná, e o Distrito Federal fazem separação de presos por grupo criminoso, segundo levantamento feito pelo Globo.

Apresentado como única maneira de garantir a vida dos detentos ligados a grupos criminosos, o método também escancara o descontrole do sistema penitenciário por parte do Estado. Comando Vermelho e Primeiro Comando da Capital (PCC) são as organizações mais numerosas. Alguns estados chegam a reservar presídios específicos para determinadas facções, como ocorre no Rio. Em outros, há alas ou pavilhões isolados. Se a informação sobre a organização criminosa a que o preso pertence não é repassada assim que a vaga é solicitada, os servidores o questionam — num protocolo adotado verbalmente e muitas vezes de forma velada pelos estados — antes de incluí-lo no sistema.

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No Paraná, detentos ligados a facções estão concentrados na Penitenciária Estadual de Piraquara (PEP), que fica na região metropolitana de Curitiba. “O Paraná realizou a separação de presos faccionados como uma medida preventiva para desarticular, dificultar ações de organizações criminosas nos presídios e também preservar vidas”, informou nesta segunda-feira (9) o Departamento de Execução Penal.

É na PEP que está preso, segundo a Secretaria de Estado de Segurança Pública e Administração Penitenciária (Sesp), o chefe direto do Primeiro Comando da Capital (PCC) em Roraima, Ozélio de Oliveira - conhecido como Sumô . O homem pode estar envolvido no comando à distância do massacre que deixou mais de 30 mortos na última sexta-feira (6) no maior presídio de Boa Vista.

“A separação de presos ocorre por regime ou por autodeclaração de risco à integridade física do apenado”, informa a Secretaria de Administração Penitenciária do Maranhão, que estima ter cerca de 2,6 mil detentos envolvidos com facções criminosas, sem nomeá-las para não as “promover”. O Rio Grande do Sul, que isola detentos de facções rivais por alas, também adota o método: “Na identificação do apenado, ele manifesta preferência por tal tipo de grupo”, informou a Superintendência dos Serviços Penitenciários do estado, em nota.

No Distrito Federal, não há unidades prisionais exclusivas de determinada facção. Mas a separação de membros do PCC e do Comando Vermelho ocorre nos pavilhões de segurança máxima das unidades, segundo Guilherme Nogueira, coordenador-geral da Superintendência do Sistema Prisional:

“Ou o preso já vem carimbado pela polícia com a informação do grupo criminoso, e aí nós separamos. Ou a inteligência de cada unidade identifica integrantes na massa e os isolam. Rivais podem até ficar na mesma ala de segurança, mas em celas separadas”.

Já no Rio Grande do Norte, há presídios voltados apenas para o Sindicato do Crime, mais numeroso que o PCC no estado. Mas a unidade de Alcaçuz, a maior do país em extensão territorial, convive com as duas facções, repartidas da seguinte forma: dois pavilhões para cada grupo e um para presos neutros, dentro de uma lógica própria, explica Wallber Virgolino, secretário de Justiça e Cidadania do estado:

“A gente divide as facções dessa forma para deixá-los em pé de igualdade, porque eles se estudam, planejam se destruir, mas não têm coragem porque estão em pé de igualdade. Eles só atacam quando têm certeza que vão sair vitoriosos”.

Alívio ou fortalecimento?

A divisão por facção, na avaliação de Virgolino, não fortalece os grupos criminosos. Ele aponta o protocolo como uma forma de evitar mortes diariamente nos presídios, inclusive de pessoas sem associação com qualquer grupo. Para enfraquecer as organizações, o secretário aponta o respeito rígido às normas do presídios, tais como evitar a entrada de armas e drogas.

”Agora querem colocar criminosos por prática criminosa. Se isso acontecer, vai haver a maior chacina do mundo dentro dos presídios”.

Em São Paulo, que abriga cerca de 35% da população prisional do país, 71 presos que pertencem às facções criminosas Comando Vermelho (CV), Família do Norte (FDN) e Okaida (OKD) foram transferidos entre outubro e sexta-feira passada para um presídio mantido em sigilo pela Secretaria de Administração Penitenciária do estado. Os detentos foram separados dos demais presos, filiados ao Primeiro Comando da Capital (PCC), para evitar confrontos.

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A separação de presos por facção é criticada pelo coronel José Vicente da Silva Filho, ex-secretário nacional de Segurança Pública e ex-comandante da Polícia Militar de São Paulo. Segundo ele, a medida pode até diminuir o trabalho que os comandos das facções têm para passar ordens aos seus seguidores.

“É como entregar o presídio na mão da facção. Primeiro, você vai colocar um ladrão de carteira junto com um ladrão de banco só porque os dois declararam que são do PCC. Isso já é um problema. Além disso, você vai deixar o chefe da facção junto com todo o seu bando, o que é perigoso. Ele vai ter toda uma boiada para comandar. Não vai nem ter que fazer esforço para passar suas ordens”, disse o coronel.

Na opinião de Silva Filho, o ideal seria separar as lideranças dos grupos criminosos e colocá-las em regimes duros, como o das penitenciárias federais ou o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), implementado em São Paulo. O coronel também defende que sejam separados dos demais os detentos que cometeram crimes mais graves ou que têm perfil violento, como os que já se envolveram em brigas ou mortes.

“Hoje o Judiciário vê regimes como o RDD, em que o preso fica totalmente isolado, como uma punição ao preso. Ele só fica alguns meses lá. Acho que esse regime deveria ser um modelo de cumprimento de pena, como é em alguns países, como a Itália. As lideranças de facções deveriam passar cinco, dez anos nesse regime. O crime não vai parar, mas já é um golpe cortar a comunicação com os chefes”, afirmou Silva Filho.

O defensor público Marlon Barcellos, coordenador do Núcleo do Sistema Penitenciário da Defensoria Pública do Rio, relativiza a medida diante da situação carcerária atual, mas ressalta os riscos da estratégia:

“Separar os presos por facção faz diferença dependendo do objetivo. Se for para garantir a integridade dos detentos, é uma atitude que atende perfeitamente à ideia de evitar conflitos entre grupos. Mas se o objetivo for a segurança pública, é uma medida que provoca reflexos fora das penitenciárias e faz uma diferença para o mal, porque facilita justamente o recrutamento.

O diretor do Departamento Penitenciário Nacional, Antônio Severo, afirmou ao Globo que o governo federal não tem como avaliar a gestão dos estados, ressaltando que os administradores separam por facções por “questão emergencial”.

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