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Zélia da Silva, 54 anos, vive rotina de dores e dificuldade de locomoção há oito anos. | Albari Rosa/Gazeta do Povo
Zélia da Silva, 54 anos, vive rotina de dores e dificuldade de locomoção há oito anos.| Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo

A fila de espera para consultas com ortopedistas na saúde pública de Curitiba chega a 19 mil pessoas. Alguns desses pacientes aguardam atendimento com um especialista desde 2012. A assistência a vítimas de torções, dores na coluna ou traumas ósseos é considerada um dos principais gargalos do sistema público de saúde de todo estado e a situação não é diferente na capital.

‘Inaceitável’

Na visão da coordenadora da Pastoral da Saúde, Ireonilda de Conto, esperar consulta médica é inaceitável. “As pessoas já perderam a confiança na saúde pública. As pessoas procuram a Pastoral, que quando entra em contato com as unidades consegue atendimento.”

Espera por cirurgias também é longa

Não bastasse a demora em agendar consulta, os cidadãos ainda precisam enfrentar fila para a realização das cirurgias ortopédicas. A Secretaria Municipal de Saúde, no entanto, não sabe precisar o número de pessoas que aguardam por procedimentos. Para ilustrar esse quadro, só no Hospital Evangélico são cerca de 120 pacientes na espera. No Hospital de Clínicas, segundo dados mais recentes, referentes ao último trimestre de 2014, 516 pessoas estão na fila e na Santa Casa, 190. Em 2014, foram feitas 11.220 cirurgias ortopédicas pelo SUS em Curitiba.

A maioria desses procedimentos são considerados eletivos, ou seja, que não caracterizam urgência e emergência. Mesmo assim, a situação não é tão simples. As pessoas, além de sofrerem com dores frequentes, podem – dependendo do problema – ficar incapacitadas de trabalhar.

Sem explicação

“Não tem como justificar demora de, em alguns casos, anos para conseguir uma cirurgia. Se você precisa operar, isso deveria ser feito imediatamente. Não quero explicação, é necessário ter uma solução”, ressalta a coordenadora da Pastoral da Saúde, Ireonilda de Conto.

A diretora do Departamento de Redes de Atenção à Saúde, da SMS, Carmen Moura dos Santos, explica que os procedimentos cirúrgicos ficam sob responsabilidade dos oito hospitais que prestam atendimento ao SUS na capital. “Essas cirurgias resultam das consultas. Começamos a cobrar o número de pessoas na espera [para o procedimento operatório] no ano passado”, conta.

A diretora do Departamento de Redes de Atenção à Saúde, da secretaria de Curitiba, Carmen Moura dos Santos, explica que até meados de 2014 o número de pacientes na fila de espera para a consulta era de 27 mil. Após uma reanálise da situação de cada um, ainda restaram 10 mil pessoas esperando consulta com um médico ortopedista. De 2014 para cá, mais nove mil pessoas ingressaram na fila – totalizando 19 mil indivíduos.

Carmen explica que para reavaliar a situação de quem estava na fila antes de 2014 foram realizados procedimentos ao longo destes anos definidos por ela como “qualificação do encaminhamento” para reavaliar a situação desses pacientes. Essa medida foi adotada após orientação do Ministério Público do Paraná, que também apontou no ano passado falta de especialistas e de insumos, como próteses. Ao todo, o MP-PR tem três procedimentos coletivos em andamento para averiguar tanto a demora para consultas quanto para cirurgias. Além de 21 procedimentos que tratam de problemas particulares.

Segundo Carmen, a requalificação das filas significa realizar ações para priorizar soluções no atendimento da saúde básica. “Antes a pessoa tinha uma dor nas costas e já era encaminhada para um especialista. Hoje, a equipe médica, com ajuda de um fisioterapeuta, tenta atender o paciente na unidade básica, no atendimento primário”, afirma.

Essa medida diminuiu, de acordo com Carmen, em quase 30% o número mensal de entradas de pacientes que precisavam de um ortopedista, passando de 780 pessoas em 2013 para 450 atualmente. Para quem ingressou na fila a partir de 2014, segundo ela, o tempo de espera para a consulta gira em torno de seis meses.

A capital do Paraná conta atualmente com 10 prestadores de serviço do Sistema Único de Saúde (SUS). Nesses estabelecimentos são realizadas cerca de 14 mil consultas por mês com ortopedistas. “Estamos sempre reavaliando os [casos] mais antigos”, diz a diretora.

Cenário pior

O membro da diretoria da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia no Paraná (SBOT-PR), Renato Raad, aponta que em médio prazo será muito difícil que a procura por especialistas da área diminua. Segundo ele, os médicos e hospitais que atendem essa demanda trabalham “a todo vapor”. “Mas a demanda é muito grande. Esse é um desafio da saúde pública. Não tem solução mágica”, afirma.

Apesar de considerar que é necessário aprimorar o atendimento na saúde básica, com o objetivo de reduzir o número de encaminhamentos a especialistas, Raad prevê um cenário pior para os próximos anos.

Segundo ele, a tendência é de que a procura aumente ainda mais ao longo do tempo. “O envelhecimento da população tende a gerar mais problemas ortopédicos”, explica. De acordo com estimativas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no Paraná 8,5% da população atual é considerada idosa, com mais de 65 anos. Em 2030, esse índice deve chegar a 15%.

Moradora da CIC espera há oito anos esperando por cirurgia ortopédica

A perna direita mal apoia o chão enquanto que a esquerda está completamente desgastada, com o joelho inchado tal qual uma manga. Não bastasse isso, a perna esquerda está torta. Para se locomover a distâncias longas só com cadeira de rodas. Zélia da Silva, 54 anos e moradora da Vila Sete de Setembro, na Cidade Industrial de Curitiba (CIC), passa a maior parte do tempo sentada ou deitada. Diagnosticada com artrite reumatoide aos 39, ela espera a implantação de uma prótese no lado direito do quadril há oito anos.

Passar tanto tempo se apoiando apenas de um lado provocou um desgaste imenso na perna esquerda, que também precisa de um procedimento operatório. As inflamações são constantes em ambas as pernas.

Uma cirurgia de colocação de prótese no quadril já foi realizada em 2004, mas um ano depois foi obrigada a retirar o material porque foi acusada rejeição pelo organismo. Somente em 2007 é que foi colocado um espaçador com antibiótico para curar uma infecção, que é usado para substituir temporariamente uma prótese. “Disseram que eu ficaria apenas seis, sete meses com esse espaçador”, conta Zélia. Os meses viraram anos, de sete meses passou para oito anos de espera e até agora o procedimento não foi realizado.

“Estou com infecção nas duas pernas. Algo que seria para ser feito rápido, demorou tanto”, relata. A família de Zélia procurou ajuda na justiça e ganhou. Ela deve realizar a cirurgia. Mas aí um novo problema apareceu: doença cardíaca. “Todo esse tempo de demora provocou muita coisa ruim, acarretando até um problema no coração. Estou esperando ter o aval dos cardiologistas”, conta Zélia.

A Secretaria Municipal de Saúde informa que tem acompanhado o atendimento de Zélia. Segundo a pasta, ela passou por exames pré-operatórios recentemente e o Hospital de Clínicas está providenciando a prótese necessária para a cirurgia. A família informou que, atualmente, Zélia está internada no HC, mas que o procedimento cirúrgico ainda não foi realizado.

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