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O distrito de Kangbashi começou como um projeto de Ordos, cidade do sudoeste da Mongólia Interior. A área está cheia de prédios de escritórios, centros administrativos, museus, teatros e outros espaços. Idealizada para 1 milhão de pessoas, porém, quase ninguém vive por lá. | Uday Phalgun/Creative Commons
O distrito de Kangbashi começou como um projeto de Ordos, cidade do sudoeste da Mongólia Interior. A área está cheia de prédios de escritórios, centros administrativos, museus, teatros e outros espaços. Idealizada para 1 milhão de pessoas, porém, quase ninguém vive por lá.| Foto: Uday Phalgun/Creative Commons

Num primeiro texto de uma série destinada a discutir cidades, dentro do espaço Futuro das Cidades da Gazeta do Povo, algumas reflexões se colocam como necessárias. Talvez a mais simples delas seja questionar, afinal, o que é uma cidade?

Para início de reflexão vou buscar um exemplo distante, mas muito ilustrativo, das cidades fantasmas da China. O governo chinês vem promovendo nos últimos dez anos a construção de centenas de cidades planejadas, múltiplas “Brasílias”, na tentativa de antecipar o fenômeno irreversível de transição de uma sociedade rural para uma sociedade urbana.

A construção dessas cidades buscou inspiração em cidades europeias e estadunidenses, pretendem-se inteligentes, com toda a infraestrutura e tecnologia que está hoje à disposição dos planejadores urbanos. É possível ver grandes bulevares que levam a uma réplica da Torre Eiffel, casas em estilo tradicional holandês ou alemão, assim como típicos subúrbios residenciais com suas casas ajardinadas. Kangbashi e Yujiapu são exemplos inacreditáveis desse projeto.

As cidades novas da China carecem, contudo, de um elemento essencial: pessoas. Impulsionados pela expectativa do desenvolvimento futuro dessas cidades, o projeto atraiu inúmeros investidores, seja para promover sua construção, seja para adquirir os imóveis postos à venda. Em algumas cidades, quase todas as propriedades, os milhares de apartamentos em grandes torres e edifícios foram vendidos. Quem comprou essas propriedades, entretanto, não pretendia mudar-se para ali, mas sim investir.

Yujiapu: é – ou deveria ser – o distrito financeiro da cidade de Tianjin, no Norte da China, a 150 km de Pequim. Foi planejado para ser um bairro/cidade sustentável,começou a ser construído em 2009, mas está praticamente vazio.Amazingloong/Creative Commons

O resultado é que o governo Chinês luta hoje arduamente para conseguir atrair população para as cidades fantasmas e vê-se preso num macabro círculo vicioso. Por um lado, o comércio e serviços não se instalam ali por que não há consumidores, por outro lado, a população não se interessa porque não há serviços.

O fenômeno das cidades fantasmas na China nos permite uma chance única de refletir de que são feitas as cidades. Muito além do espaço construído, dos prédios, praças, ruas e avenidas, uma cidade é um complexo de relações sociais e econômicas que tem como elemento central as pessoas. São elas que a criam, recriam; e, mais que isso, são seu componente essencial.

Pessoas essas que não representam um todo hegemônico, um conjunto ao qual se possa impor regras de comportamento ou um determinado estilo de vida. As cidades são compostas por uma heterogeneidade de pessoas de diferentes origens, diferentes opiniões, e é justamente na diversidade que as cidades se constroem.

Cidade que sendo polis é, também, política. Desde a antiguidade até os dias atuais, as cidades formaram-se em torno do centro do poder político. É na polis que a diversidade também se manifesta na política, marcando seus contornos, pintando seus muros, ocupando suas praças.

Uma cidade sem povo e sem política nunca passará de um simulacro de cidade. Elementos esses que não se pode forjar numa prancheta, a partir do lápis de um planejador.

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