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À esquerda, o prefeito de Montalcino, Silvio Franceschelli, ao lado do prefeito de  San Giovanni d’Asso, Fabio Braconi . As duas cidades da região da Toscana talvez tenham que “se juntar” para dar conta dos serviços públicos. | Nadia Shira Cohen/NYT
À esquerda, o prefeito de Montalcino, Silvio Franceschelli, ao lado do prefeito de San Giovanni d’Asso, Fabio Braconi . As duas cidades da região da Toscana talvez tenham que “se juntar” para dar conta dos serviços públicos.| Foto: Nadia Shira Cohen/NYT

Duas cidadezinhas do sudeste da Toscana, uma famosa pelo vinho tinto, a outra pelas trufas e os grãos orgânicos, estão pensando em um casamento municipal de conveniência que pode confundir suas identidades, tão distintas e preservadas, formadas separadamente ao longo dos séculos. Com uma população de apenas 853 habitantes, San Giovanni d’Asso não pode mais prover serviços básicos para seus cidadãos em escala diária; com apenas três funcionários para fazer todo o trabalho, algo simples como um reconhecimento de firma exige um agendamento com dias de antecedência.

Por isso, em um dia de 2014, o prefeito Fabio Braconi resolveu pegar o telefone e pedir ajuda para a vizinha Montalcino, a 16 km ao sul, do lado de lá das plantações de trigo. Terra natal do famoso tinto Brunello, a cidade é mais próspera e consideravelmente maior, mas conforme a população de 5.070 habitantes vai se reduzindo, é bem provável que acabe também enfrentando problemas burocráticos. Assim, San Giovanni d’Asso e Montalcino estão pensando em desaparecer legalmente para se fundirem e criarem uma terceira cidade, novinha em folha.

É a mesma escolha que outras aldeias estão enfrentando ao redor do país. Há anos a Itália, composta de núcleos minúsculos, médios e grandes, vem tentando convencer as comunidades menores a unir forças. Para diminuir as despesas, o governo federal vem pedindo há anos que os centros com menos de cinco mil pessoas compartilhem serviços com as comunidades vizinhas ou se fundam para criar uma cidade só – e estão impedidos de contratar novos empregados até que levem a medida a cabo. Para encorajá-las ainda mais, o governo do primeiro-ministro Matteo Renzi aprovou uma lei, em 2014, oferecendo incentivos econômicos e simplificando os procedimentos de contratação daqueles municípios que concordarem com a iniciativa.

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Embora muitos se entusiasmem com a perspectiva da melhoria nos serviços, diversas comunidades também se preocupam com a perda da identidade local, sentimento que é crucial para muitos italianos, especialmente no interior da Toscana, onde a paisagem muitas vezes ainda se assemelha àquela da Idade Média.

“Não me interprete mal, sou muito ligado ao meu brasão”, diz Braconi, referindo-se ao emblema da cidade, sentando em seu gabinete, instalado em um castelo do século XII que dá para as colinas cobertas de trigo. “Mas eu sabia que precisávamos de um projeto mais radical, que permitisse à cidade oferecer serviços administrativos todos os dias da semana”, completa.

San Giovanni d’Asso já tentou compartilhar a força policial e o transporte público com outras aldeias – e quando o acordo perdeu a graça para os parceiros e expirou, em 2014, a vila voltou a se sentir isolada, com uma população em declínio e menos servidores públicos.

Durante décadas a comunidade rural foi perdendo moradores, escolas e serviços de saúde e transporte, conforme as pessoas iam se mudando para centros maiores. O que não significa que não tenha um patrimônio considerável. Ainda conta com recursos agrícolas invejáveis – trufas, uvas, azeite e uma grande produção de grãos orgânicos – e um turismo em fase de ascensão, com 38,9 mil visitantes em 2015. “Precisamos construir o futuro aqui, senão nossos jovens vão nos deixar. Não dá para ficar olhando para o passado”, afirma Braconi, que tem uma filha de vinte e poucos anos.

Referendo

Para discutir a possível fusão, o prefeito se reuniu várias vezes com o colega de Montalcino, Silvio Franceschelli, e ambos se encontraram com o governo regional toscano e com os moradores. As comunidades votarão no referendo, que será realizado em outubro, para dizer se aprovam a medida ou não. Montalcino conseguiu fazer valer duas exigências: que a nova cidade continue usando seu brasão e seu nome, ligado ao famoso vinho.

Vinho de Montalcino

Uma reserva privada do vinho Brunello, localizada na cantina Padelleti, gerenciada por uma das famílias mais antigas da cidade de Montalcino.
Nadia Shira Cohen
NYT

Se a proposta for aprovada, como ambos os líderes esperam, Montalcino e San Giovanni d’Asso compartilharão escolas, policiais e agências de correio, além de serviços de saúde, pouco mais de 110 km de estradas municipais e 44 funcionários.

Os governantes também esperam que a fusão convença os turistas de verão – que viajam a Montalcino para provar o vinho Brunello – que visitem a cidade também no inverno, quando é época da prestigiada trufa de San Giovanni d’Asso e a população organiza feiras e eventos de degustação.

“É claro que queremos vender nossos vinhos, mas nossa intenção é promover essa área como um todo. É por isso que gostamos da ideia de ter um distrito maior, que ofereça produtos orgânicos”, explica Tommaso Cortonesi, vice-presidente do consórcio dos produtores do Brunello em Montalcino.

Franceschelli, prefeito da cidade, descreveu a provável fusão como “um ato de determinação”. “Alguns cidadãos me perguntam se vamos perder a independência; para mim, ela está na ação. Temos condições de tomar decisões e investimentos ou não? Devemos esperar o governo um dia nos forçar a fazer a fusão com outra cidade? Não é melhor podermos escolher com quem nos fundirmos?”, questiona ele.

Mas nem todo mundo está convencido.

Receio

“O risco é que San Giovanni d’Asso continue sendo apenas um subúrbio de Montalcino, ou seja, perca o pouco poder que tem de tomar decisões, fazer investimentos e projetos futuros, o que não é pouca coisa para uma comunidade pequena como a nossa”, afirma Michele Boscagli, ex-prefeito da cidade e hoje presidente da Associação Nacional das Cidades Trufeiras.

Trufas de San Giovanni d’Asso

Michele Boscagli, presidente da Associação de Trufas de San Giovanni d’Asso, segura uma cesta das tradicionais trufas da cidade da Toscana.
Nadia Shira Cohen
NYT

Desde 2012, a região da Toscana oferece o equivalente a US$ 277 mil, durante cinco anos, para cada cidade que aceitar se fundir. Sem contar os incentivos do governo federal: mais investimentos, mais flexibilidade nas contratações e menos restrições orçamentárias.

“Leopoldo II, o grande reformador toscano, uniu muitas cidadezinhas; depois de tanto tempo, é essencial fazer mais. É um processo que estamos incentivando a partir da base, dos municípios, mas que também tem que ter mais força vinda de cima, do Parlamento. O povo do interior merece serviços melhores”, diz Enrico Rossi, presidente da região da Toscana, referindo-se ao grão-duque que governava a região em meados do século XIX.

Embora 2.489 cidades já compartilhem serviços na Itália, apenas 202 decidiram formalizar a fusão do novo município. Algumas regiões, como a ilha da Sardenha, criaram áreas administrativas grandes, que reúnem vários vilarejos e aldeias; outras, como o Piemonte, no norte, com vários municípios espalhados pelas colinas e montanhas, preferiram manter os limites tradicionais.

A questão é significante em um país onde mais de dez milhões de pessoas vivem em cidades pequenas e mais da metade do território é controlada por administradores locais, segundo um estudo recente da Associação Nacional de Municípios Italianos.

“O problema não é o número, mas sim como organizar o governo com uma administração local de forma moderna e funcional, para compartilhar recursos e não esbanjar o dinheiro do contribuinte, ao mesmo tempo indo além da mentalidade interiorana”, explica Daniele Formiconi, que administra o departamento de cidades pequenas da associação.

Os moradores de Montalcino e San Giovanni d’Asso terão que decidir logo se é melhor se manterem separados ou unir forças. “Ouço alguns moradores mais velhos, que não gostam da ideia da fusão com Montalcino, reclamando da perda de alguns poderes, mas eu encaro a coisa de forma positiva”, diz Paola Cerretani, 60 anos, moradora de San Giovanni d’Asso que tinha que percorrer quase 50 km de carro, todo dia, para ir para o trabalho, só porque não queria deixar sua cidade natal. “Montalcino nos dará mais visibilidade. Tenho mais medo da outra opção, ou seja, de um dia acabarmos desaparecendo”, conclui.

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