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No dia 27 de dezembro de 1794, o navio negreiro português São José Paquete naufragou de forma trágica próximo à costa da Cidade do Cabo, então colônia holandesa, no sul do continente africano, matando centenas de escravos. A embarcação transportava uma carga de 500 prisioneiros que haviam sido embarcados na ilha de Moçambique quatro semanas antes.

Fragmentos do navio serão expostos nos EUA

As quatro barras de lastro recuperadas do São José Paquete – “relíquias sagradas do tráfico de escravos”, nas palavras de um historiador – serão expostas em setembro no novo Museu Nacional de História e Cultura Africanas do Instituto Educacional Smithsoniano, em Washington (EUA).

De formas alongadas, são de um marrom escuro e lascadas em virtude do tempo. Cada uma pesa 40 quilos, talvez o peso de alguns dos prisioneiros a bordo, e eram usadas para dar estabilidade ao navio negreiro, já que muitos dos prisioneiros morriam ao longo da viagem. “Esses blocos estavam com os escravos”, disse Jaco Boshoff, o arqueólogo marinho sul-africano do Museu de Iziko, na Cidade do Cabo. Foi ele quem trouxe as barras de lastro à superfície. “Embora não tenhamos encontrado restos humanos – [e] há uma expectativa de que podemos fazer isso –, vamos encontrá-los preso sob algo como um bloco de lastro”, disse.

Os materiais remanescentes lembram o início da saga do navio negreiro. “São fragmentos que se tornam os tijolos com os quais podemos contar essas histórias muito humanas e muito reais”, diz o curador do museu, Paul Gardullo, sobre os artefatos do navio. Dezenas de milhares de homens, mulheres e crianças morreram em navios como o São José durante a “passagem do meio” por através do oceano.

O São José seguia em direção à costa leste da África e tinha como destino final o litoral Nordeste do Brasil, onde fica hoje o Maranhão. O plano de viagem previa uma parada para reabastecimento na Cidade do Cabo, mas fortes ventos vindos do sudeste impediram a entrada do navio no porto. O capitão Manuel João Pereira decidiu, então, lançar âncoras afastado da costa. Mal sabia ele que a viagem do São José seria interrompida definitivamente horas depois.

Parte da história do primeiro navio negreiro de que se tem notícia a naufragar com africanos a bordo veio à tona com o recente resgate e estudos de fragmentos, mais de dois séculos depois. Entre eles, quatro barras de lastro, um bloco de polia de madeira dos aprestos do navio e um pedaço de madeira de manguezal do casco do São José. São modestas, mas assombrosas lembranças do comércio global de escravos de 400 anos que transformou 12,5 milhões de africanos em mercadoria e os despachou como carga para o hemisfério ocidental em grilhões.

O São José içou velas pela última vez no dia 3 de dezembro, após se abastecer com escravos em uma imponente fortaleza construída pelos portugueses um século antes na ilha de Moçambique, no leste da África. O navio, de propriedade de Antonio Pereira, irmão do capitão Manuel, navegou para o sul ao longo da costa, sob o calor do verão até se deparar com as traiçoeiras águas da Cidade do Cabo e ancorar perto da costa.

Por volta das duas horas da manhã, o vento forte soprou o navio para cima de um conjunto de rochas, a cerca de 50 metros da praia. O capitão tentou parar o navio usando outra âncora, mas a corda se partiu. E conforme a embarcação, pesada com barras de ferro fundido para lastro e seres humanos, era destroçada pelas águas, Manuel mandou um pequeno barco à praia com uma linha de resgate, mas ele também naufragou.

Foi só com a ajuda de uma equipe de resgate da Cidade do Cabo, que conseguiu estender uma corda com um cesto da praia até o navio, que a evacuação começou. As águas estavam violentas e congelantes, por causa da corrente antártica. O capitão, a tripulação e parte dos prisioneiros se salvaram. Mas 212 escravos se afogaram nas gélidas águas. Outros 11 morreram nos dias seguintes. Depois de tudo, os prisioneiros sobreviventes foram vendidos a compradores locais.

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