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O acrílico quebrado pelo pedreiro ainda não havia sido reposto pela administração do hospital | Roberto Custódio/Jornal de Londrina
O acrílico quebrado pelo pedreiro ainda não havia sido reposto pela administração do hospital| Foto: Roberto Custódio/Jornal de Londrina

Depois de esperar por cerca de nove horas pelo atendimento da mulher, doente há quase uma semana, um pedreiro perdeu a paciência e acabou quebrando parte do acrílico que separa os pacientes dos funcionários de um dos guichês de atendimento do Hospital da Zona Sul (HZS), em Londrina, no Norte do Paraná. O caso ocorreu na madrugada desta quarta-feira (29), e é reflexo do atendimento precário do sistema público de Saúde. Luis Augusto Bernardo, de 28 anos, chegou a ser preso, mas foi liberado após pagar fiança de um salário mínimo. A mulher dele, Odineia Mendes Furtuoso Bernardo, 38, voltou para casa sem ser atendida e continua passando mal.

O caso começou na quarta-feira passada (22), quando Odineia teve tosse, febre e falta de ar. Ela mora no Jardim União da Vitória, na zona sul, e trabalha como zeladora na Gleba Palhano. Ela ainda suportou os sintomas por mais alguns dias, quando foi ao HZS buscar atendimento. No domingo (26), após a triagem, Odineia foi atendida em cerca de 10 minutos.

“Foi rápido, me atenderam bem. Fizeram exames e um raio-X que identificou um princípio de infecção no pulmão. A médica me passou dipirona e um outro remédio para tratar da infecção em casa. Só que atacou o meu estômago, e não consigo comer nem beber nada que acabo vomitando. A médica disse que se eu não passasse bem era para voltar para lá. Foi o que eu fiz”, contou a zeladora.

“Se dependesse do Estado, hoje meu marido ainda estaria preso e eu estaria lá naquela sala esperando atendimento”, disse a zeladora Odneia BernardoRoberto Custódio/Jornal de Londrina

Ela e o marido voltaram ao HZS na noite de terça-feira (28), por volta das 19 horas. Na triagem, que separa os pacientes por quadro de gravidade de acordo com critérios estabelecidos pela equipe de enfermagem, Odineia foi classificada como sendo uma paciente em estado “verde” – como nos semáforos de trânsito, os casos são divididos em “vermelho” para os graves, “amarelo” para os intermediários e “verde” para os mais simples.

Ao JL, Odineia confirmou que disse à enfermeira estar passando mal após tomar a medicação receitada pela médica que prestou o primeiro atendimento, no domingo. Mas mesmo com fortes dores de estômago e vômito, três horas se passaram até que ela fosse perguntar pela primeira vez quanto tempo demoraria até ser atendida.

“O porteiro deixou que eu entrasse e fosse falar com a enfermeira. A chefe das enfermeiras foi muito mal educada. Quando fui explicar o meu problema, ela me disse bem grossa que era para esperar lá fora. ‘Aqui a gente está atendendo só caso de urgência’, ela me disse. E o meu caso, era o quê? Eu estava passando mais mal com o remédio que me foi receitado”, reclamou.

Revolta

Às 3h30 da madrugada, o marido de Odineia foi questionar ao funcionário que havia feito a ficha se a mulher ainda seria atendida. Ao ouvir que ninguém lá dentro poderia fazer nada, Bernardo teve um acesso de fúria e acabou dando um murro na peça de acrílico. Ato contínuo, os funcionários do HZS chamaram a polícia, que acabou prendendo o pedreiro.

“Já chegaram falando que ele tinha depredado um patrimônio público e que iria preso. Perguntei para o policial se ele não ia ouvir os dois lados, por que o meu marido ficou tão irritado a ponto de quebrar tudo lá. O policial virou para mim e disse que se eu ficasse ‘boquejando’ iria presa também. Tivemos que ligar para os vizinhos, acordar o pessoal e conseguir o dinheiro da fiança. No final das contas, eu voltei ao hospital porque a médica disse para fazer isso se estivesse passando mal, fiquei lá por quase nove horas com fome e com frio, voltei com as mesmas dores e meu marido ainda foi preso”, desabafou.

A reportagem entrou em contato com o 5º Batalhão da Polícia Militar e foi informada que não há registros sobre a ocorrência.

“Às vezes demora um pouco mais”

A reportagem procurou a direção do Hospital da Zona Sul atrás de explicações para o caso. Por volta das 10 horas, o diretor-geral da unidade, Aparecido José de Andrade, disse ainda não ter tido ciência total da ocorrência. A superlotação da unidade, que estaria com 93 pacientes além da capacidade máxima na noite de terça-feira, seria uma das causas da demora no atendimento. Nesta manhã, eram 22 pacientes a mais do que o hospital pode atender.

“Todos os pacientes que derem entrada no hospital vão ser atendidos. Só que alguns vão ser atendidos primeiro, como são os casos de urgência e emergência. São pacientes que estão em risco de vida, e precisam desse atendimento prioritário. Às vezes, demora um pouco mais para os pacientes menos graves, mas são casos pontuais”, explicou.

Andrade disse à reportagem que não existe a possibilidade de liberação dos pacientes até que eles sejam atendidos, mas que os funcionários podem encaminhar aqueles em estado menos grave a outras unidades de saúde. “O enfermeiro fala ‘estamos lotados, pode sentar e esperar que vai demorar’. Se o paciente quiser ir para a UPA, pode ir, mas voltar se demorar por lá também”, informou. Não foi o que aconteceu com Odineia, que disse ao JL que em momento algum foi lhe dada essa opção. “Não sei se foi ou não feita essa orientação. Estou tomando pé da situação agora”, disse o diretor.

Apenas dois médicos estavam em atendimento no Pronto Socorro do HZS na madrugada de terça. O número é suficiente, segundo o diretor do hospital, que justifica a falta de verbas para a contratação de mais profissionais. “Isso onera o hospital, ter um médico para atender essas situações que ocorrem a cada três meses. Um plantonista a mais te dá R$ 1,1 mil a mais por dia”, justificou.

A explicação não convence a zeladora. “Como é que tem dois médicos só? Isso é má vontade, é falta de respeito essa falta de pessoal. Hoje eu vou com meu marido em outro lugar, acho que no PAM, para ver se consigo pelo menos trocar de remédio. Ou então vou chamar a ambulância do Samu, porque com essa falta de médicos só assim para ser atendido. Se dependesse do Estado, hoje meu marido ainda estaria preso e eu estaria lá naquela sala de espera, esperando atendimento”, disse Odineia, segurando uma das três filhas no colo.

Parece ironia, mas no beiral da casa humilde, de frente para uma rua ainda sem asfalto, resta escrito à mão o nome do logradouro: Rua dos Médicos.

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