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A agressão a Fabiane de Jesus, o jovem amarrado a um poste no Rio e o linchamento de presos em Umuarama: ira popular | Reprodução/tevê
A agressão a Fabiane de Jesus, o jovem amarrado a um poste no Rio e o linchamento de presos em Umuarama: ira popular| Foto: Reprodução/tevê

As imagens de uma mulher de cabelos vermelhos, de bruços, sofrendo agressões por parte de um grupo de pessoas no Guarujá, litoral de São Paulo, circularam nos últimos dias pelas redes sociais e pela mídia. As cenas de barbárie chocam até quem tem estômago mais forte. O espancamento de Fabiane Maria de Jesus, de 33 anos, confundida com uma suspeita de sequestrar crianças para praticar bruxaria, é um dos casos mais emblemáticos da recente onda de justiçamentos que parece ter tomado conta do país. Fabiane morreu no hospital dois dias após de ter sido agredida.

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Autor do livro Lincha­mentos; a justiça popular no Brasil, que deve ser lançado em 2015, o sociólogo José de Souza Martins estima que o país assista hoje, em média, a uma tentativa de linchamento por dia. Um banco de dados elaborado pelo Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da Universidade de São Paulo indica que, entre 1980 e 2006, houve 1.779 linchamentos (em que a vítima foi agredida até a morte) no país: um a cada cinco dias. O Paraná registrou, em média, um caso por ano.

Clamor

Os "surtos justiceiros", destacam os especialistas, eclodem sempre após períodos de grande clamor popular. Um caso de grande repercussão acaba servindo de "espelho", ou seja, motivando outros justiçamentos. Estão atrelados a uma sensação de descrédito nas instituições democráticas. E vão além: não basta matar o outro – "fazer justiça com as próprias mãos" –, mas o cadáver da vítima é vilipendiado, barbarizado, como se a comunidade quisesse deixar um "exemplo".

Segundo a socióloga e pesquisadora do NEV Ariadne Natal, o conceito de justiça dos linchadores é diferente do concebido nas sociedades democráticas: os justiceiros não querem recuperar o "criminoso" e reinseri-lo na sociedade, mas exterminá-lo. "O pressuposto é o da vingança. Quer se resolver o problema em pouco tempo, eliminando o outro. O objetivo não é simplesmente executar. É humilhar, expor, por meio da violência extrema. A barbárie que fazem com o cadáver tem toda uma simbologia", observa.

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Os casos ainda reúnem outra particularidade em comum: as vítimas. A análise dos casos mostra que os justiçamentos ficam restritos a áreas periféricas. As vítimas são acusadas, principalmente, de terem cometido crimes contra a vida (como estupros ou delitos envolvendo crianças) ou pequenos assaltos. "Acabam pegando uns pobres coitados, geralmente muito vulneráveis, sobre os quais os linchadores derramam suas próprias frustrações. Não há justiça. Há ódio", conclui o sociólogo Pedro Bodê, coordenador do Grupo de Estudos da Violência da Universidade Federal do Paraná.

Agressões no Paraná

Em Foz do Iguaçu, no Oeste, duas jovens, de 15 e 19 anos, quase foram linchadas pela população anteontem depois de confessarem o assassinato, por ciúmes, de uma adolescente de 13 anos. O corpo da menina foi encontrado na última terça em um córrego e com marcas de apedrejamento no crânio. Um agente e dois funcionários de uma empresa evitaram o linchamento. Em Curitiba, no sábado, um homem foi agredido por um grupo de pessoas na rua após supostamente assaltar uma mulher no Centro. Ao chegar ao local da ocorrência, a PM não encontrou ninguém dizendo ter sido assaltado. O homem foi hospitalizado.

Boatos ganham força

O aumento do número de justiçamentos coincide com o crescimento dos boatos. Ontem, o Ministério Público divulgou nota desmentindo um boato que circula em Matinhos, Litoral do Paraná, de que crianças estariam sendo sequestradas para rituais de magia. “Não há registros recentes de sequestros ou mortes violentas de crianças em Matinhos. Os cidadãos não devem adotar medidas extremas, como agressões a suspeitos, pois, além dos riscos de cometerem injustiças, podem ser responsabilizados criminalmente”, diz o texto.

O mesmo retrato falado da suposta sequestradora provocou o linchamento de Fabiane de Jesus, no Guarujá. Em Matinhos, o boato se espalhou rápido, inclusive com cópias da imagem coladas em lanchonetes.

O presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos da OAB, Wadih Damous, classificou a proliferação dos justiçamentos como uma afronta ao Estado de Direito ligada ao descrédito das instituições. “É um retrocesso no processo civilizatório. Existe uma cultura de criminalização estarrecedora, em que se pensa que tudo se resolve pelo direito penal e pela repressão.”

Outros casos

Nas décadas de 1980 e 1990, o Paraná registrou três casos que ganharam repercussão nacional. Em todos, as vítimas estavam presas e foram arrebatadas de dentro das delegacias.

1983 – Em Barracão, no Sudoeste, seis suspeitos de terem matado dois taxistas foram retirados da delegacia onde estavam presos e levados a um campo de futebol, onde foram linchados a pauladas e facadas. Cerca de 150 pessoas teriam participado do crime.

1986 – Em Umuarama, no Noroeste, duzentas pessoas invadiram a delegacia, retiraram três presos e os lincharam em praça pública. Em seguida, os corpos foram incendiados. Eles eram acusados de terem estuprado uma mulher e matado a tiros o noivo dela.

1994 – Em Salto do Lontra, Sudoeste, um médico, o cunhado dele e um policial civil, que estavam presos, acusados de terem matado uma enfermeira, foram linchados por cerca de mil pessoas que os retiraram da delegacia. O crime chegou a ser filmado por uma emissora de tevê.

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