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Exemplares do mosquito Aedes aegypti, o transmissor do zika vírus | Marvin RECINOS/AFP
Exemplares do mosquito Aedes aegypti, o transmissor do zika vírus| Foto: Marvin RECINOS/AFP

Depois de surpreender autoridades e cientistas ao apresentar em novembro os primeiros exames que identificaram a infecção do zika vírus em bebês com microcefalia, a obstetra Adriana Melo voltou a provocar alvoroço. Em janeiro, publicou em parceria com a pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz Ana Bispo um estudo que aponta possível relação entre zika e outra má-formação rara, a artogripose, uma doença que se caracteriza por graves deficiências nas articulações. Os achados, considerados valiosas pistas no quebra-cabeça que se transformou a epidemia, foram resultado do inconformismo da médica, que nunca gostou de ficar com uma dúvida sem resposta.

A inquietação tomou conta da obstetra quando recebeu em seu consultório duas gestantes que apresentavam embriões com deficiências na formação do cérebro, em Campina Grande, onde mora e trabalha. “Em 17 anos de experiência, nunca havia visto nada parecido, era diferente de outras má-formações”, conta. O cerebelo, responsável pelo equilíbrio e capacidade motora, era praticamente inexistente.

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Pediu para pacientes voltarem. Em outro exame, identificou a presença de calcificações no cérebro - uma reação geralmente encontrada em processos infecciosos. Dias depois, recebeu em um grupo de WhatsApp informações sobre aumento do número de crianças com microcefalia e uma possível ligação com zika. Era o que faltava para fechar o círculo.”Achava que a coisa mais natural seria pesquisar a presença do vírus nos embriões. Cheguei a sugerir, mas não recebi resposta.” Diante de sua impaciência, um colega sugeriu: “seu papel é apenas notificar, aguarde as pesquisas”.

Adriana não aceitou. “Nunca deixei paciente sem resposta”. Diante de seu inconformismo, ela foi apresentada a uma médica paraibana que trabalha na Fiocruz e, daí, foi um passo até chegar a Ana Bispo. “Ficamos duas horas conversando. Ela disse como devia proceder para enviar o material”, recorda. As mães toparam, o material foi coletado, congelado e despachado para a Fiocruz.”

Neste intervalo, Adriana aproveitou um curso que faria em São Paulo sobre medicina fetal, levou os casos para discutir com o médico Gustavo Malinger, da Universidade de Tel Aviv. Ao ver os casos, foi feita a sugestão de que mães fossem examinadas pela equipe. A prefeitura de Campina Grande pagou as passagens, as gestantes aceitaram e, durante o fim de semana, várias discussões e análises foram realizadas. O resultado saiu dias depois, deixando aturdidos especialistas e Ministério da Saúde.

Criticada por pares de que pesquisas não são suficientes, Adriana fala com tranquilidade. “Estou apenas trazendo para todos achados que considero importantes.”

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Perguntas e respostas

Depois disso, sua vida profissional mudou.”Fico sempre pensando: será que hoje terei de dar diagnóstico para alguma mãe?” Embora essa tenha se transformado numa tarefa cada dia mais comum, ela diz que não se acostuma com o peso emocional.

“É todos os dias como se puxasse o tapete da paciente. Hoje, no consultório há um clima de terror. Vejo nos olhos delas o pensamento: Será que sou a próxima vítima?” A clássica pergunta “é menino ou menina?” foi trocada para “qual o tamanho da cabeça?”

Por enquanto, a única ajuda que conseguiu na pesquisa foi o empréstimo de uma máquina de diagnóstico. “Há ainda muitas perguntas a serem respondidas. Enquanto tiver ideias de formas sobre como tentar solucioná-las, vou pesquisar.”

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