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Na Serra da Bocaina, no meio do caminho entre São Paulo e Rio, um remanescente de Mata Atlântica está à venda. Não se trata de mais uma das histórias de desmatamento promovido pela especulação imobiliária que se tornaram notórias no bioma, em especial no litoral norte paulista, a partir da década de 1980. Quem comprar um lote ali não pode fazer condomínio de luxo, nem tampouco colocar gado, agricultura, pinus ou eucalipto. O comprador só tem uma opção: preservar a mata.

O projeto pioneiro de conservação foi idealizado pelo ex-empresário do ramo de seguros Ricardo Roquette-Pinto, hoje com 78 anos, que resolveu há uns 30 investir na preservação do bioma mais devastado do Brasil. Ele aprendeu meio na marra - com uma fazenda sem lá muito potencial produtivo que tinha comprado no município de Bananal -, que o melhor que ele tinha a fazer com aquela terra era deixar a vegetação remanescente tomar conta e aproveitar seus benefícios.

No início dos anos 2000, quando um terreno vizinho foi a leilão, ele resolveu comprá-lo e aplicar a mesma lógica. A área, de 1.100 hectares, conta a história de degradação da Mata Atlântica. Fora desmatada a partir dos anos 1950 e 1960 para servir de carvão vegetal em fornos de ferro gusa. Já nos 1970, foi comprada por uma madeireira, que recebeu incentivos do governo federal para plantar pinus e eucalipto. A empresa faliu, o local ficou abandonado, e Roquette-Pinto o arrematou em 2002. Em 8 anos, tirou as árvores de lá (250 mil toneladas de pinus e 68 mil toneladas de eucalipto) e deixou a floresta rebrotar.

Deu certo. A flora está em processo de recuperação e a fauna voltou. Uma onça é avistada de tempos em tempos, em um sinal de que o local está interligando remanescentes de floresta. Cortado por rios e nascentes, é importante produtor de água para o Rio e São Paulo e precisa da vegetação para manter esse serviço.

‘Com os burros n’água’

Roquette-Pinto brinca que deu literalmente com os burros n’água ao tentar tornar sua primeira propriedade na Bocaina em algo produtivo. No alto do morro, onde só se chega por meio de uma estrada de terra, sinuosa e esburacada, a partir de Bananal, o local não é propício para o plantio nem para gado, por causa da declividade. "Mas achei que conseguiria fazer dinheiro aqui", conta. "Já que o ambiente é tão rústico - pensei -, vou criar burro, que é rústico também, e poderia ter valor como animal de tração. Comprei uns jumentos e umas éguas. Só que o mercado de burro não é aqui, é no Nordeste, ninguém vem da Bahia para comprar burro aqui. Aí desisti."

"Ocorreu-me que o que eu gostava daqui é entrar no mato. Como a carola que entra no Vaticano e diz ‘meu Deus, que coisa mais linda’. É assim que eu me sinto. Quando comprei a outra fazenda, pensei: devem ter outros malucos como eu que vão querer preservar isso."

O projeto Águas da Bocaina se vale da ferramenta de Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN), por meio da qual proprietários de terra que tenham áreas de mata se comprometem a mantê-las. No caso do projeto, em que as glebas têm cerca de 40 hectares, Roquette-Pinto estabelece por contrato que o uso ficará restrito a 2 hectares. O resto tem de transformar em RPPN. "Porque aí fica intocável, para o resto da vida."

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