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 | Marcos Labanca/Gazeta do Povo
| Foto: Marcos Labanca/Gazeta do Povo

Professor da Uni­versidade Federal do Pará (UFPA), o co­lombiano Luis Eduardo Aragón Vaca propõe uma nova forma de se ver a Amazônia. Território definido por ele como polissêmico – com mais de um significado –, a Amazônia foi envolvida, nos últimos anos, por uma série de mitos que Aragón começa a desconstruir. O estudo faz parte de um livro que será lançado em breve. Pós-doutor em Estudos Populacionais pela Universidade de Brown, nos Estados Unidos, e pós-doutor em Estudos Latino-Americanos na Universidade de Estocolmo, na Suécia, o professor proferiu palestra na Universidade Federal de Integração Latino-Americana (Unila), em Foz do Iguaçu, em agosto. Nesta entrevista à Gazeta do Povo, ele fala sobre os desafios da Amazônia.

O senhor desconstruiu o mito de que a Amazônia é o pulmão do mundo. Por quê?

A Amazônia é mais uma sequestradora de carbono do que um pulmão do mundo. Ela consome o oxigênio que produz. Então não há muito para exportar. Para as plantas crescerem é preciso absorver gás carbônico, então, a floresta, com este tamanho que tem, já absorveu uma grande quantidade de gás carbônico. Se você cortar as árvores, o gás carbônico que está retido na floresta vai embora. Por isso é importante o reflorestamento para acumular o gás carbônico nas plantas.

Neste contexto, a preservação da floresta ganha mais peso?

Sim, porque não se libera todo o carbono na noosfera. A liberação de carbono contribuiu para aumentar a poluição e o esquentamento da terra, por exemplo. Há tanto gás carbônico que a temperatura da terra tende a aumentar, na medida em que se acumulam mais gases desse tipo. Com isso há uma série de consequências: degelo nos polos que leva aumento das massas das águas dos oceanos. Com o aumento dos níveis dos oceanos, algumas cidades desapareceriam, apesar de que isso não ocorreria de um dia para outro. Na Oceania, já há previsão para desaparecimento de várias ilhas.

Na avaliação do senhor, essa preocupação chegou às pessoas que hoje são responsáveis pela Amazônia?

O mundo todo está preocupado. A consciência está aumentando, mas ainda hoje se considera muito mais econômico cortar as árvores pela maneira imediata de produzir a madeira, do que manter a floresta em pé. Com o tempo, o desmatamento vai afetar outras atividades econômicas que hoje estão dando lucros. Alguns programas do governo precisam ser modificados, no sentido de valorizar o potencial da Amazônia, que está na biodiversidade. Isso não quer dizer que se coloque uma cerca na Amazônia, mas que se a utilize economicamente considerando suas vocações, por exemplo, produtos da floresta – fármacos, tintas – que não necessitem cortar árvores. Quando cortadas, as árvores precisam ser manejadas.

Outro mito que o senhor desconstrói em relação à Amazônia é a existência de um vazio demográfico. Esse conceito não existe?

Se você considerar só a densidade demográfica, ela é muito baixa em relação ao Brasil e outras regiões. Desse ponto de vista há pouca gente. Mas o problema está em utilizar essa figura para justificar que lá não tem ninguém e que a área é totalmente desocupada, sem proprietários. O vazio demográfico é um conceito que está sendo utilizado de maneira que permite justificar uma série de ações, de certa forma, depredatórias da região, e não necessariamente em prol dela, mas sim de interesses externos. É uma questão que se usa de forma ideológica, por isso, é preciso desconstruir isso. Hoje a maioria da população mora em cidades e não nas zonas rurais. As densidades demográficas são extremamente altas em Belém, Manaus, mas a população não está totalmente dispersa.

Como o senhor avalia os projetos sustentáveis e as políticas voltadas à Amazônia?

As políticas de desenvolvimento em geral da Amazônia ao longo da história têm sempre pouca participação da população e dos atores locais. As comunidades não têm sido ouvidas, apesar de que isso está mudando um pouco. Mas é preciso ainda muita mudança porque os modelos que se utilizam não são aplicáveis à Região Amazônica. Precisamos inventar novas formas que possam funcionar. Essa visão míope de que a Amazônia não tem ninguém, tem atrasado o desenvolvimento de conceitos novos. Hoje está surgindo mais a participação cidadã, por exemplo, e arranjos locais que, de certa, maneira tem contribuído para iniciativas inovadoras e dado certo para o bem-estar das comunidades, sem destruir o meio ambiente. É preciso inventar uma nova Amazônia, onde a participação local seja grande. A Amazônia é uma região inventada de fora para dentro.

E quanto ao futuro da Amazônia, o que o senhor pode dizer?

Para que a região seja aproveitada com todo seu potencial e dê uma contribuição significativa para o mundo e para o Brasil, é preciso mudar modelos que até hoje não funcionaram. É preciso mais pesquisa, participação local e cidadã. Também precisamos inventar uma forma nova de trabalhar a Amazônia. Existem algumas iniciativas do governo, por exemplo, de valorizar a biodiversidade, mas o problema é muito complicado porque as ações são até contraditórias. Fala-se em conservação da biodiversidade, mas se estimula as grandes represas e abertura de estradas. Conciliar tudo isso é extremamente difícil e não existe varinha mágica. As próprias diferenças ideológicas entre um país e outro também torna difícil tomar decisões coletivas sobre a Amazônia.

Qual é a maior ameaça à Amazônia hoje?

É difícil, mas a maior ameaça, eu diria, é a falta de ações que permitam utilizar as verdadeiras vocações da Amazônia. A Amazônia não é para a agricultura, para o gado, para o desmatamento. Oferece algumas potencialidades para isso, mas o fundamental, o que vai contribuir, é combinar a conservação e desenvolvimento.

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