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Caso tivessem origem humilde ou antepassados judeus, negros ou indígenas, os colonizadores não poderiam tornar-se nobres.

No Brasil colonial, existiu, por mais de três séculos, uma sociedade dividida em ordens. Além de escravos, aí conviviam militares (pequenos e grandes proprietários), religiosos e trabalhadores livres. Os privilégios e as imunidades eram graças concedidas pelo rei a seus principais aliados, sobretudo aos militares. Essa honra era destinada a uns poucos indivíduos, denominados nobres e fidalgos. Os fidalgos originavam-se dos antigos aliados militares do rei, por isso recebiam rendas polpudas, cargos e imunidades. Ao contrário da fidalguia, os nobres não contavam com antepassados ilustres para garantir seus privilégios. Devido a seus serviços militares, esses homens obtinham individualmente ascensão social garantida pela monarquia.

Para tornar-se nobreza, os plebeus poderiam recorrer a duas estratégias. Inicialmente, a meta era tornar-se um valente guerreiro, reconhecido como tal pelo rei, para receber o foro de fidalgo ou o título de cavaleiro de uma Ordem Militar. Interessados em obter honra e privilégios, os súditos poderiam também ingressar na Universidade de Coimbra e receber o título de bacharel em leis ou em cânones. Com essa formação, eles pleiteavam um posto na magistratura e tornavam-se nobreza política. Enfim, os fidalgos eram honrados pelo sangue de seus antepassados, que outrora prestaram serviços militares e administrativos ao rei, enquanto os nobres eram recentemente condecorados com as benesses da monarquia.

Tanto fidalgos quanto nobres desfrutavam de leis especiais: eram julgados por seus pares, não recebiam punição pública, contavam ainda com pensões e isenções de impostos, mercês desfrutadas com mais intensidade pela fidalguia. No Brasil, nem sempre os primeiros colonizadores dispunham de prestígio para receber os benefícios concedidos pelo rei. Caso tivessem origem humilde ou antepassados judeus, negros ou indígenas, não poderiam tornar-se nobres. No entanto, a coroa necessitava condecorar seus principais aliados, por isso, às vezes, invalidava esses impedimentos.

Por isso a rigidez hierárquica da sociedade portuguesa inexistia no Brasil, razão para acirrar a busca individual por privilégios. A ascensão social era viável a todos que contribuíssem com a proteção dos domínios da coroa. Caso demonstrassem tino militar, indivíduos de origem humilde passavam a reunir condições para tornar-se parte da nobreza. Enfim, desde o início da colonização, a busca individual por privilégios era muito difundida por aqui. Não raro essa intenção de "se dar bem", de vencer na vida a todo custo, dificultou a consolidação da idéia de cidadania e de um projeto coletivo de sociedade.

Ronald Raminelli é professor de História Moderna na Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

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