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Sueli Oliveira participa do programa desde 2012 | Aniele Nascimento/Gazeta do Povo
Sueli Oliveira participa do programa desde 2012| Foto: Aniele Nascimento/Gazeta do Povo

Ela tem nome e sobrenome: Sueli Oliveira. Também tem um trabalho: bordadeira da empresa Lafort. E uma família: uma filha adolescente de 16 anos e os gêmeos de 10 anos. Apesar da calça cinza e da camiseta branca que a identifica como detenta da Penitenciária Feminina do Paraná (PFP), Sueli é detentora de direitos.

Superação

Quando Carlos da Silva* cruza o portão verde de ferro da PFP, os fantasmas vão embora e ele se entrega ao trabalho voluntário que desempenha nas aulas de Teatro. O convite para atuar na penitenciária aconteceu pouco depois do assassinato do pai, vítima de latrocínio. A angústia pela perda foi transformada em motivação. “O trabalho que fazemos aqui não ignora os atos que essas pessoas cometeram, mas incentiva a praticar do bem e não ser reincidentes no crime.” *Nome fictício

A distância dos filhos e a rotina de reclusão não são os únicos desafios na vida de Sueli. Assim como ela, centenas de presidiárias sofrem manifestações de ódio – pública ou virtual – por terem cometidos crimes e, hoje, cumprirem penas. De acordo com a organização internacional Human Rights Watch, um dos pontos mais críticos em termos de violação de direitos humanos no Brasil está no ambiente carcerário, com registros de maus-tratos.

A gente percebe que por mais difíceis que as coisas sejam lá fora, somos capazes de fazer diferente

Sueli Oliveira, detenta da Penitenciária Feminina do Paraná

Diante deste cenário, a penitenciaria paranaense uma das unidades de segurança máxima do país, está servindo de modelo para outras instituições, com a implementação do Programa Ciência e Transcendência: educação, profissionalização e inserção social. O projeto traz um olhar humanitário para o ambiente prisional focado no combate à reincidência no crime.

Sueli, que está presa por tráfico, mesmo crime de 80% das apenadas da PFP, participa do programa desde a implantação em 2012. Ela é enfática em dizer sobre a influência na transformação da forma de pensar. “Eu ouvia algumas colegas dizerem que a única possibilidade seria voltar para o crime ao sair daqui. Hoje, o que eu escuto é que elas têm um plano para suas vidas”, diz. “A gente percebe que por mais difíceis que as coisas sejam lá fora, a gente é capaz de fazer diferente”, complementa.

Além das novas perspectivas, a diretora da Penitenciária, Rita Naumann, destaca outros avanços visíveis no tratamento penal. “Percebemos resultados positivos, principalmente pelo fator humanização. Desde o início do programa não tivemos nenhuma rebelião e eu atribuo isso ao trabalho realizado.”

A ausência de rebelião na PFP é um indicador valioso para os envolvidos no programa e também para o Paraná. Somente no ano passado, 33 unidades espalhadas pelo estado entraram em conflito, o que motivou uma nota pública da Pastoral Carcerária afirmando que da forma como as penitenciárias têm funcionado “sequer são lugar de gente, mas de morte e sofrimento.”

Dados do programa

Em dois anos, o Programa Ciência e Transcendência contabiliza números satisfatórios.

400 presas

Todas participam de pelo menos uma atividade

6 pesquisas realizadas

11 cursos envolvidos (graduação e pós-graduação)

32 projetos realizados

3 projetos profissionalizantes

6 mulheres acompanhadas após a soltura

Nenhuma rebelião desde a implantação

Redução de brigas entre as detentas

Pilares

O programa, parceria entre a Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) e a Secretaria da Justiça, Cidadania e dos Direitos Humanos (SEJU), consiste em atividades semanais de pesquisa, para o entendimento do contexto, regularidade com trabalho efetivo e relacionamento que gera vínculos e resgata o valor do ser humano.

“O meio prisional tem outro ritmo e, para entendê-lo, é preciso imergir. Partimos da premissa que é preciso vivenciar essa realidade em detalhes para que surjam transformações”, contextualiza a coordenadora, Cristiane Arns.

A interação do mundo externo com o ambiente carcerário, por meio de universitários e professores voluntários da PUCPR, ameniza o fato das detentas estaram fisicamente afastadas da sociedade. “É preciso descontruir o pensamento que diz que quem está preso é diferente de quem está fora de uma cela”, pondera a advogada Priscilla Placha Sá, presidente da Comissão da Advocacia Criminal da OAB/PR.

Resgate ajuda na redução da reincidência

Num país cuja taxa de encarceramento subiu 30% nos últimos cinco anos, segundo dados do Sistema Integrado de Informações Penitenciárias (InfoPen), é preciso buscar soluções que impeçam a reincidência. “O cárcere é a reprodução hiperbólica dos nossos flagelos sociais. Não se resolve simplesmente colocando alguém num lixão de pessoas”, diz a advogada Priscilla Sá.

Por isso, os envolvidos na iniciativa aplicada na PFP acreditam que investir em práticas que resgatem a autoestima das detentas é uma forma de evitar a reincidência no crime. “Em todos os projetos que desenvolvemos, a primeira abordagem começa pelo ‘quem sou eu?’, ‘que olhar eu tenho para mim mesma?’. A base de uma mudança é a estima”, afirma Cristiane Arns.

Com a autoestima elevada, as detentas conseguem se reconhecer e passam a pensar como cidadãs com direitos e deveres para com o entorno.

“Eu não tenho medo de enfrentar os desafios que virão. Haverá preconceito lá fora contra uma ex-presidiária, mas eu sei do meu valor. Eu me vejo com uma força tão grande que nem eu sabia que eu tinha”, diz a detenta Sueli Oliveira. (MB)

Acompanhamento externo está nos planos futuros

Com o intuito de prepará-las para a vida além dos muros, cursos profissionalizantes são oferecidos pelo programa. Neste último semestre, as detentas puderam frequentar os cursos de pintor, em uma parceria com a marca de tintas Coral, e de manipulador de alimentos, coordenado pela nutricionista voluntária Flávia Auler.

A grande aposta para que as mulheres se sintam realmente prontas para voltar a sociedade é o Projeto de Vida, aplicado com detentas que estão a um ano do fim da pena. “Nesse projeto, proporcionamos momentos de reflexão sobre a vida além do cárcere. Trabalhamos com elas como se portar em uma entrevista de emprego e como fazer planejamento financeiro. Apresentamos possibilidades reais, para que elas se sintam fortes na hora da saída”, afirma Cristiane Arns.

Ainda segundo a coordenadora do programa, existe a intenção de expandirem o projeto para o ambiente externo, com a criação de um local que possa auxiliar as egressas por até um ano após a saída. “Para ter uma vida nova, é preciso ter um ambiente de convívio novo. Estamos buscando parcerias e apoios externos para que possamos viabilizar essa proposta.” (MB)

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