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Reginaldo Soares investiu o dinheiro da indenização na bicicletaria | Osvaldo Eustáquio/ Gazeta do Povo
Reginaldo Soares investiu o dinheiro da indenização na bicicletaria| Foto: Osvaldo Eustáquio/ Gazeta do Povo

NEGOCIAÇÃO

Sem consenso com advogada, trabalhadores ficam a ver navios

Após quase ter morrido no mar em um acidente de barco que o deixou deficiente visual, Manoel Crisanto Mendes, de 59 anos, vive no bairro Beira Rio, em Paranaguá. Em maio de 2013, de acordo com comprovantes bancários, foram sacados R$ 40.680 da conta judicial de Mendes, que desconhecia a existência da ação. Ele e a irmã, Isabel, foram até o escritório da advogada Cristiane Uliana, mas até agora não conseguiram receber o valor.

"Tenho fé em Deus que vamos receber esse dinheiro de que tanto precisamos. A advogada não nos recebeu, mas a secretária dela prometeu entrar em contato para nos dar informações sobre o dinheiro do Manoel, o que ainda não ocorreu", conta Isabel. Manoel sofre de epilepsia e o dinheiro vai ajudar nas despesas da casa e dos remédios contínuos que ele precisa tomar.

O pescador João de Deus Cunha conta que foi chamado pelo escritório da advogada, mas não entrou em um acordo sobre o valor a receber. De acordo com ele, a advogada pretendia descontar 30% de honorários do valor liberado pela Justiça em 2012. O pescador, por sua vez, exigiu receber a quantia com acréscimos, pelo tempo em que o escritório permaneceu com o dinheiro. "Não achei justo que tanto tempo depois do meu dinheiro ter sido sacado eu receba sem nenhum juro ou acréscimo. Quero apenas que seja feito um pagamento justo", diz.

Caso parecido é o de Marilene Fernandes. "A advogada até se propôs a me pagar, mas queria que eu revogasse a procuração para o novo advogado que contratei e, por isso, não conseguimos chegar a um consenso."

Outros profissionais são investigados

O MP abriu uma investigação criminal contra um dos sócios do escritório Bahr, Neves & Mello para apurar possíveis irregularidades no pagamento de ações indenizatórias a pescadores do Litoral. Documentos obtidos pela reportagem revelam que o pescador Romildo Alves, 68 anos, teve R$ 29.388,87 liberados pela Justiça em 18 de outubro de 2013. Segundo um extrato bancário, o dinheiro foi sacado na agência da Caixa em Paranaguá em 27 de novembro pelos advogados do escritório.

De acordo com Romildo, o dinheiro não chegou até ele. O pescador então registrou boletim de ocorrência, alegando apropriação indébita. O pescador também denunciou a situação ao promotor Fernando Cubas César, no fim de abril. "Estamos sendo humilhados por estes advogados que fazem o pescador de bobo", desabafou Romildo. Na delegacia de Paranaguá foram registrados ao menos uma dezena de BOs contra o mesmo escritório.

À Gazeta do Povo, Cubas César disse que um procedimento investigatório criminal foi instaurado pelo MP para apurar as condutas de alguns advogados no caso. "Foram levantados não só este alvará [de Romildo], mas vários outros no período entre agosto de 2012 e maio de 2013. Alguns desses valores foram retirados e não teriam sido repassados aos pescadores", explicou o promotor. Segundo ele, o inquérito está perto de ser concluído mas será conduzido agora pelo promotor Thiago Gevaerd Cava.

Em nota, o escritório Bahr, Neves & Mello informou que não localizou nenhuma reclamação ou pedido de informação do pescador Romildo Alves. A nota também diz que "para segurança do senhor Romildo Alves, que pode ser vítima de cobradores indevidos ou de outros tipos de estelionatos ou aproveitadores, e para preservar a integridade do cliente, considerando ainda os limites interpostos pelo código de ética da advocacia, o advogado deve abster-se de responder consulta sobre a matéria". O escritório também informou que os autos da ação, sob o número 11.738/2010, estão conclusos para avaliação.

Segundo Romildo, depois que a Gazeta do Povo procurou por ele e pelo escritório, um depósito foi feito em seu nome no Banco do Brasil e retirado por ele no fim de junho.

Cerca de três meses após a Gazeta do Povo revelar o drama de pescadores que desconheciam ter direito a indenizações pagas pela Petrobras, parte dos trabalhadores foi chamada para receber o dinheiro da compensação por dois desastres ambientais ocorridos em 2001 no Litoral paranaense: o vazamento de óleo do poliduto Olapa e o vazamento de nafta do navio Norma. Por causa dos dois desastres, ao menos 6 mil pescadores, catadores de caranguejo e marisqueiros tiveram suas atividades interrompidas por quase oito meses.

Em abril deste ano, a reportagem encontrou ao menos 18 pescadores que ignoravam a existência de indenizações parciais liberadas pela Justiça e sacadas pelo escritório da advogada Cristiane Uliana, que os representa. Após a repercussão do caso, ao menos seis receberam o recurso e quatro continuam à espera da compensação. A reportagem tentou, por diversas vezes nos últimos meses, entrar em contato com Cristiane e com o advogado dela, mas ninguém quis comentar o caso.

Barco

Joel Belo é um dos trabalhadores que conseguiu receber a indenização. Atualmente, ele tem um pequeno comércio na Vila Guarani, em Paranaguá, e com o dinheiro recebido comprou um barco e reformou o teto do estabelecimento. "Eu e meus filhos fomos procurar nossos direitos. A advogada reconheceu que o dinheiro havia saído e nos pagou. A nossa tristeza de tantos anos e descrença na Justiça se transformou em alegria e em um barco que vai beneficiar toda a nossa família", afirma. Os pescadores Odair do Nascimento e Osvaldo Moreira também receberam suas devidas indenizações.

Reginaldo Modesto Soares custou a acreditar que a Justiça havia liberado, em 2012, o dinheiro da indenização. Ele denunciou a advogada à Polícia Civil de Paranaguá e à Ordem dos Advogados do Brasil, mas antes foi ao escritório da profissional com uma câmera escondida, quando foi informado de que não havia nada a receber. Após a publicação da reportagem, de acordo com o pescador, ele recebeu o valor, descontados os honorários da advogada. "Fiquei feliz em receber o dinheiro porque estava com duas contas de luz atrasadas. Consegui pagá-las e ainda investir em produtos para a bicicletaria que eu tenho", conta.

Um dos casos mais dramáticos foi o da pescadora Ozília do Rosário, que desmaiou quando foi informada pela reportagem sobre a existência de um saque de R$ 37,2 mil feito por sua advogada no dia 26 de outubro de 2012. Sem recursos e sem ter o que comer na época, ela chegou a sair de casa, na Ilha de Medeiros, às duas da manhã para ir à Caixa Econômica em Paranaguá verificar se o dinheiro havia realmente saído. Mesmo de forma tardia, a pescadora recebeu a indenização e vai investir em um novo barco para a família.

MP recebeu mais de cem denúncias nos últimos meses

É raro passar um dia sem que novas denúncias cheguem ao Ministério Público e à delegacia de Paranaguá. Os prejudicados pelos desastres ambientais afirmam ter sido lesados por seus advogados. Passam de cem as denúncias ao MP. Na delegacia de Paranaguá, cerca 80 pescadores registraram BOs.

A pescadora Suzana Xavier da Silva procurou a reportagem porque acreditava que poderia ser mais uma vítima. Ela foi até a Caixa Econômica e constatou um saque de R$ 5.333 de sua conta judicial. Sem conter as lágrimas, disse que, na época da liberação dos recursos, havia perdido o emprego e passava por dificuldades para sustentar os quatro filhos. "Bem nessa época eu fiquei desempregada e procurei a advogada. Disse que precisava do dinheiro mais do que nunca e ela me disse que não havia saído. Fui enganada. Até quando essa situação vai continuar impune?", questiona. Suzana procurou a delegacia e registrou boletim de ocorrência contra a advogada. Também encaminhou o caso ao Ministério Público.

A assessoria do MP informou que o órgão está recebendo novas denúncias, mas devido ao grande número de pescadores que se dirigem ao Fórum, o procurador está apenas recolhendo a documentação e agendando os depoimentos para datas posteriores. O delegado da 1.ª Subdivisão Policial de Paranaguá, Ítalo César Sega, disse que, devido ao grande número de boletins de ocorrência, o inquérito ainda não foi concluído.

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