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Alunos da corporação dizem que sofrem agressões físicas e são forçados a inalar gases de bombas de efeito moral | Arquivo/Gazeta do Povo
Alunos da corporação dizem que sofrem agressões físicas e são forçados a inalar gases de bombas de efeito moral| Foto: Arquivo/Gazeta do Povo

Exemplos

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Reflexo nas ruas

Cinco denúncias de excesso da Polícia Militar foram registradas em novembro:

1.º nov – O advogado Lucia­­no­­ Milani Neckel teria sido agredido dentro de uma delegacia de Cascavel por um PM do Pelotão de Choque. Ele acompanhava um cliente preso por não pagar a pensão alimentícia.

17 nov – A estudante Ana Pau­­la foi dominada com violên­­cia e empurrada contra uma por­­­­ta de ferro enquanto filmava com o celular a abordagem de policiais a torcedores do Co­­ri­­tiba, na capital.

22 nov – PM usaram spray de pimenta e empurraram funcio­­­ná­­rios da Copel que fecharam­­ o trânsito na Rua Coronel Dul­­cí­­­dio durante um protesto em Curitiba.

22 nov – Policiais militares dis­­param balas de borracha e gás lacrimogêneo para conter uma confusão na festa de encerramento do ano letivo dos estudantes da Universidade Paranaense (Unipar) de Toledo, no Oeste do Paraná.

24 nov – Policiais invadiram casa, agrediram moradores e vizinhos, entre eles uma idosa e uma pessoa com deficiência, no Bairro Alto, em Curitiba.

Depoimento

"Sempre sonhei em ser policial. E não vou desistir"

Nascido em uma família em que há 11 policiais militares, Carlos* sempre quis ostentar a farda cáqui da PM. Ele estava preparado para a rigidez do treinamento, mas não imaginava que fosse enfrentar o que chama de "torturas que não estavam previstas". "Eu sempre sonhei ser policial. Está em meu DNA e não vou desistir", disse.

A rotina era pesada: apresentar-se às 6 horas, marchar até as 7h30 e, em seguida, enfrentar uma maratona de aulas e treinamentos de instrução que se estendiam até as 21 horas. É neste contexto, diz ele, que ocorriam os excessos. Não era só Carlos quem sofria com os castigos pesados, mas toda a turma.

As perseguições teriam começado depois que ele sofreu uma lesão durante um treinamento. "Diziam que eu estava ‘acochambrando’, fazendo ‘corpo-mole’", disse. Sem querer reprovar, continuou cumprindo as tarefas pesadas, o que pode ter agravado sua condição. "Mas eu ainda vou me formar e vestir aquela farda. É meu sonho", garantiu.

O sonho de se tornar policial militar tem se transformado em pesadelo para muitos paranaenses que lutam para ingressar na corporação. Três batalhões da Polícia Militar (PM) de Curitiba estão envolvidos em denúncias de excessos cometidos no treinamento de alunos de cursos de formação da instituição. Os relatos descrevem as mesmas práticas: torturas físicas e psicológicas, com direito a castigos pesados, punições severas e perseguições, além de falta de infraestrutura.

Na manhã de ontem, o comandante-geral da PM no estado, coronel Roberson Bondaruk, reconheceu que foram cometidos abusos no 13.º Batalhão, que teve seu coordenador de curso substituído. Em seguida, a Associação de Defesa dos Interesses dos Policiais Militares (Amai) informou que os casos se repetem em escolas de formação de pelo menos outros dois batalhões: Batalhão de Polícia de Trânsito (BPTran) e 20.º Batalhão. "Desde o início de novembro temos comunicado à Corregedoria da PM e ao diretor de ensino sobre as denúncias", disse o advogado da Amai, Marinson Luiz Albuquerque.

Ao menos dois casos que chegaram a Amai se referem a policiais em formação que sofreram lesões na coluna ao longo do curso. Um dos casos envolve uma aluna do BPTran que foi obrigada a carregar um toco de madeira durante parte de um percurso de dez quilômetros, pelo Caminho do Itupava. O outro caso diz respeito a um soldado que foi forçado a correr 14 quilômetros ininterruptamente, sob ritmo ditado por uma viatura que ia à frente. Resultado: além de lesões na coluna, o soldado sofreu ferimentos nos joelhos. Com cirurgia marcada para daqui a duas semanas, ele corre o risco de não poder exercer trabalho policial nas ruas.

Os relatos mostram ainda que os alunos em formação eram obrigados a passar por "corredores poloneses" (em que eram agredidos por policiais), forçados a inalar gases de bombas de efeito moral e a ficar com os braços levantados por horas seguidas.

"Tortura psicológica"

As denúncias também descrevem práticas definidas pelas vítimas como tortura psicológica. A ocorrência mais grave é a da aluna do BPTran, que afirma ter sofrido assédio sexual. Depois que um cabo tentou beijá-la à força, ela acabou transferida para outra unidade. A aluna afirma que sofreu perseguição desde o início do curso, quando o coordenador disse que ela "não tinha o perfil" para ser policial. O caso é apurado pela Corregedoria da PM.

Os plantões de fim de semana também se tornavam castigos. Segundo os policiais em formação, ao mínimo deslize, eles eram convocados a trabalhar aos sábados e domingos. Além de cuidar da limpeza do quartel, chegavam a fazer serviço de pedreiro e a capinar terrenos.

Comandante reconhece abusos

Na manhã de ontem, o comandante da PM, coronel Roberson Bondaruk, reconheceu a existência dos excessos relatados por alunos do curso de formação do 13.º Batalhão. Ele afirmou que adotou medidas para coibir novos casos e que determinou a substituição do coordenador do curso. "Houve problemas de falta de estrutura. Excessos no treinamento, rigor excessivo. Não é a tônica na formação dos nossos alunos. Mas isso foi devidamente administrado e a escola já está se formando dentro de uma nova visão", disse.

Após a denúncia de que alunos de outros batalhões também sofreriam abusos, a PM emitiu uma nota afirmando que "providências já foram tomadas". A corporação afirma que os casos no 20º Batalhão e no BPTran seriam pontuais: dois registros entre 2,5 mil alunos. A instituição ressalta que "não compactua com os abusos".

Bondaruk será ouvido hoje pela Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa. Ele deve falar sobre uma ação da PM no Bairro Alto, que terminou com denúncias de agressões físicas, tortura e racismo contra moradores. Segundo o deputado Tadeu Veneri (PT), a comissão também deve questioná-lo sobre os novos casos de excesso.

Para o advogado da Amai, Marinson Luiz Albuquerque, a má formação dos policiais gera um círculo vicioso. "O clima de terror que está sendo colocado internamente é o que ocasionando esses abusos que a gente vê na sociedade", afirma.

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