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A Lei de Biossegurança permitiu a doação de parte dos embriões para pesquisa, mas é omissa em relação ao descarte do material | Daniel Castellano/ Gazeta do Povo
A Lei de Biossegurança permitiu a doação de parte dos embriões para pesquisa, mas é omissa em relação ao descarte do material| Foto: Daniel Castellano/ Gazeta do Povo

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Famílias serão acionadas para dar aval ao descarte

O Centro Paranaense de Fertilidade deverá procurar 42 famílias que têm embriões congelados no local há mais de cinco anos. De acordo com Karam Abou Saab, proprietário da clínica, os contatos serão realizados para que os genitores se manifestem sobre a possibilidade de descarte do material estocado no local. "A princípio não haverá descarte enquanto não houver um contato com as famílias. Mas, se for de interesse delas, vamos descartar", diz Saab, antes de explicar que o local já adotou novos procedimentos para embriões congelados a partir da publicação da resolução do CFM. "Antes, colocávamos no contrato a possibilidade de doação para pesquisa com célula-tronco após três anos de congelamento. Agora, caso os genitores concordem, já redigiremos os contratos com a possibilidade de descarte após cinco anos de congelamento.

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A resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM), publicada no Diário Oficial da União na última semana, que atualizou as regras de reprodução assistida no país, vai permitir que 108 mil embriões já congelados sejam descartados nos próximos anos. Apesar de praticado desde a década de 1980, o congelamento de embriões saudáveis excedentes passou a ser normatizado no início dos anos 90, quando outra resolução do CFM (n.º 1.358/92) proibiu o descarte.

A resolução atual (n.º 2.013/2013) autoriza clínicas de fertilização a se desfazerem de embriões congelados há mais de cinco anos, desde que haja consentimento dos genitores. A medida do CFM é polêmica por não encontrar respaldo legal, já que a Lei de Biossegurança trata do assunto, mas é omissa em relação ao descarte e teve seu alcance limitado até março de 2008.

"Estamos mais de 20 anos atrasados em relação à adoção de uma legislação sobre reprodução assistida. A Lei de Biossegurança deveria ter sido precedida de outra lei para discutir se a criopreservação é aceita ou não pela sociedade, mas não foi o que ocorreu", afirma Mário Sanches, coordenador do mestrado em Bioética da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).

De acordo com a legislação vigente, a doação de embriões congelados era permitida para pesquisa desde que eles fossem inviáveis ou que tivessem sido congelados há três anos ou mais na data da publicação do texto – em 28 de março de 2005. Segundo a Anvisa, 25.120 embriões haviam sido criopreservados até essa data e estavam disponíveis para pesquisa.

A lei também permitia a doação de embriões congelados até a data da sua promulgação depois que eles completassem três anos de congelamento. Com isso, a medida deu possibilidade de destino para outros 22.470 embriões que completariam os 36 meses de criopreservação até 28 de março de 2008.

O problema passou a ser o destino que se daria aos embriões congelados e esquecidos pelos genitores após março de 2008. Daquela data para cá, a técnica de fertilização in vitro ganhou cada vez mais adeptos e formou um exército de embriões congelados nos Bancos de Células e Tecidos Germinativos (BCTG). Segundo o 5.º SisEmbrio, relatório publicado anualmente pela Anvisa, entre 2008 e 2011 foram criopreservados 60,9 mil embriões no país.

O geneticista Salmo Raskin reconhece a polêmica em torno da resolução do CFM, mas vê a medida como necessária. "Talvez essa resolução seja o ponto de partida para que o Congresso enfim pense no assunto. Trata-se de uma medida para o futuro. Em 2011, tivemos 23 mil embriões congelados. Imagine quantos teremos daqui dez anos?", indaga.

Mas juristas entendem que o CFM extrapola as suas funções. "O Conselho está tomando posições que transbordam as suas competências, adentrando em matérias que são de competência legislativa", diz Paulo Leão, procurador-geral do Rio de Janeiro.

Secretário do CFM diz que medida é polêmica, mas importante

O secretário-geral do Conselho Federal de Medicina (CFM), Hélcio Bertolozzi Soares, reconheceu que o descarte de embriões causará polêmica. Ele observa, porém, a importância da medida por colocar a responsabilidade pela guarda dos embriões sobre os genitores.

"A questão do descarte ainda permanece como uma preocupação, principalmente porque ela é interpretada por muitos como uma forma semelhante ao aborto. Mas a resolução é importante porque tira parte da responsabilidade das câmaras técnicas e dá ao casal a responsabilidade pelas suas escolhas", argumenta Bertolozzi.

Segundo o CFM, para manter os embriões congelados os casais pagam uma taxa inicial que varia entre R$ 600 e R$ 1,2 mil, além de uma mensalidade. No Centro Paranaense de Fertilidade, por exemplo, o custo é de R$ 100 mensais.

"Coisificação"

Em nota, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) lamenta a inexistência de uma lei para regular o assunto e alerta que o descarte de embriões excedentes pode ser entendida como uma "coisificação do ser humano".

"O legítimo desejo de se ter um filho não pode se transformar no direito absoluto de ter este filho, ao ponto de se autorizar (...) o emprego da produção de embriões para se escolher apenas alguns dentre eles. Nisso, o risco de se coisificar o ser humano aparece evidente", diz o texto assinado por dom Leonardo Steiner, secretário-geral da CNBB.

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