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  • Preso opera máquina em indústria que produz paredes e portas de segurança
  • Empresa Tracz mantém 35 presos empregados na Colônia Penal
  • Detentos passaram por treinamento específico para operar maquinário industrial
  • Portas e paredes de segurança são, posteriormente, vendidas a lotéricas e bancos
  • Trabalho é vigiado por agente penitenciário
  • Mauri de Vitte reconstruiu sua vida a partir do trabalho em empresa de tijolos instalada na Colônia Penal
  • Nove presos produzem 3,5 mil tijolos ecológicos por dia
  • Presos trabalham nos períodos da manhã e tarde
  • Empresa que fabrica puxadores de metal dá oportunidade a 35 presos
  • Jean Paulo aprendeu o ofício de torneiro mecânico na Colônia Penal e pretende seguir na profissão
  • Além de manter uma planta na Colônia Penal (foto), empresa de reciclagem de pneus também emprega presos em Colombo
  • Presos recebem 75% de um salário mínimo e abatem um dia de pena a cada três trabalhados

Por 16 anos, a vida de Mauri de Vitte se restringiu aos limites de uma cela da Penitenciária Central do Estado. Quando ganhou direito de passar ao semiaberto, tinha apenas uma certeza: queria mudar de vida, deixar o crime para trás. O trabalho por detrás dos muros do complexo penal foi o que engatilhou essa mudança. O preso foi recrutado para trabalhar na Eco Produção, indústria que mantém um canteiro na Colônia Penal Agroindustrial do Paraná (CPAI). Três anos depois, já no regime aberto, Vitte foi contratado pela empresa. Hoje, continua trabalhando no presídio, orientando outros detentos.

“Eu tinha o intuito de me afastar do crime, de buscar minha reintegração à sociedade. Essa oportunidade foi o que possibilitou que minha vida mudasse. O trabalho que consolidou isso e me libertou”, diz, aos 44 anos. “Faz três anos que tenho carteira assinada, tudo bonitinho”, orgulha-se.

DEPOIMENTO: “Crime, nunca mais”, diz detento

Assim como Vitte, cerca de outros 500 presos que cumprem pena na Colônia Penal também têm a oportunidade de trabalhar em uma das 30 indústrias que mantém convênio com a unidade, em um sistema considerado modelo para o resto do estado. Doze dessas empresas estão instaladas na própria colônia penal. Elas são atraídas por alguns benefícios, entre os quais ficar livre de pagar encargos trabalhistas. Também não pagam aluguel do espaço.

Indústrias em presídio oferecem trabalho para presos

Cerca de 500 detentos do regime semiaberto, que cumprem pena na Colônia Penal Agroindustrial do Paraná têm a oportunidade de aprender e exercer um ofício em canteiros de trabalho mantidos por empresas dentro da penitenciária.

+ VÍDEOS

Os canteiros de trabalho não lembram, nem de longe, uma penitenciária. Não há grades, correntes ou algemas. Os presos operam máquinas industriais e ferramentas normalmente. Focados, parecem querer agarrar a oportunidade oferecida. Isso se traduz em produtividade. A BMV, uma fábrica de puxadores, por exemplo, acabou de ampliar o convênio em 20%, chegando a 35 detentos empregados.

“Eles rendem, no mínimo, o dobro do pessoal lá de fora. Em três anos aqui, nunca tive problema com ninguém”, fala Danilton Dalas, gerente da Tracz, indústria que produz portas de segurança.

MODELO: Autoridades defendem incentivos para ampliar parceria

Indústrias diversificadas na Colônia

A iluminação do galpão é realçada, a curtos intervalos, por faíscas que chispam de soldas e outros equipamentos A linha de produção mantida pela Tracz na Colônia Penal Agroindustrial do Paraná chama a atenção pelas 25 máquinas colossais e pelo vaivém dos 35 detentos que trabalham ali. O serviço é especializado: chapas de aço são transformadas em paredes e portas blindadas, vendidas para lotéricas e bancos. A maioria dos presos teve de ser treinada para operar o maquinário. “Também há um treinamento periódico. Eles saem prontos para qualquer mercado de trabalho”, afirma o gerente Danilton Dalas.

Quase vizinha, está a Eco Produção, uma fábrica de tijolos ecológicos que emprega nove internos e produz cerca de 3,5 mil unidades por dia. Perto dali, fica o galpão da Strasse, empresa que trabalha com reciclagem de pneus. Oito presos operam máquinas que trituram 13 toneladas de pneus por dia. O material vai abastecer fornalhas industriais. Em Colombo, a Strasse tem outra unidade que emprega nove detentos – eles trabalham na fabricação de asfalto ecológico, a partir da reciclagem de pneus.

A linha de produção de outra fábrica, a BMV, também tem maquinário que requer especialização. Com a alta do dólar, a empresa tem conseguido preços competitivos internacionalmente. “Além do aspecto social, o menor custo dos funcionários é um grande incentivo”, diz o gerente Tiago Czarnecki.

Salário e abatimento de pena

Os presos recebem 75% do valor de um salário mínimo e, a cada três dias de trabalho, abatem um da pena. O salário deve ser destinado a indenizar danos causados pelo crime, à assistência da família, a pequenas despesas pessoais e a ressarcimento de despesas do Estado. O restante é depositado numa espécie de “poupança” para quando o preso sai.

Não é só. Para a maioria, esta é a oportunidade de aprender um novo ofício, o que permitirá começar vida nova do lado de fora. Recebem, inclusive, treinamento gratuito para operar o maquinário.

“Todos ganham neste processo. As empresas, que contratam mão de obra produtiva e mais barata; a própria unidade, que tira esses presos da ociosidade; e o preso, que aprende uma profissão e tem oportunidade de diminuir a pena”, resume o diretor da Colônia Penal, Ismael Meira.

Reciclagem de pneus: presos trituram material que será enviado para outro grupo, em Colombo, fabricar “asfalto ecológico”.Albari Rosa/Gazeta do Povo

“Crime, nunca mais”, diz detento

Para Jean Paulo Xavier dos Santos, de 38 anos, o “mundo do crime” faz parte do passado. Depois de dois anos e três meses no regime fechado, ele progrediu ao semiaberto. Há 17 dias, chegou à Colônia Penal Agroindustrial do Paraná e começou a trabalhar. Aprendeu o ofício de torneiro mecânico, função que jamais pensou em exercer e na qual quer seguir carreira após deixar a prisão.

“Um amigo do meu pai está abrindo uma firma e vai me dar uma oportunidade. Vida do crime, nunca mais. Parei mesmo”, diz o preso, que prefere esquecer o delito pelo qual está pagando.

A rotina de Santos é extremamente regrada. Pela manhã, ele e outros 34 presos seguem até o galpão da BMV, metalúrgica que produz puxadores. Trabalha até o fim da tarde. À noite, antes de ir para o alojamento da Colônia Penal, estuda na escola da unidade. O detento se sente ressocializado. “No [regime] fechado, você só fica trancando, pensando em coisa errada. Eu não via a hora de vir para o semiaberto e dar um rumo na minha vida”, afirma.

Para as autoridades, casos como esse exemplificam uma execução penal que flui. Ou seja, que o sistema cumpre o papel de reintegrar o preso. “Muitos presos não tiveram a oportunidade de conhecer o mundo do trabalho lá fora e aqui dentro têm contato com esse poder transformador de exercer uma profissão”, diz o juiz Eduardo Lino Fagundes Júnior. “É mais barato para o Estado preparar este preso do que ter de investir em uma estrutura repressiva gigantesca”, afirma.

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Fiscalização: empresas afirmam que presos não criam problemas e que são mais produtivos do que a média dos trabalhadores.Albari Rosa/Gazeta do Povo

Autoridades defendem incentivos para ampliar parcerias

A Colônia Penal e Agroindustrial do Paraná teria possibilidade de dobrar o número de parcerias com indústrias que queiram a mão de obra de presos do regime semiaberto. A unidade tem à disposição dois mil metros quadrados e galpões para a pronta instalação de novos canteiros de trabalho. Na avaliação das autoridades, o programa só não é ampliado por falta de incentivos do governo do estado, como forma de atrair mais empresas.

“Isso depende muito de que o estado auxilie as empresas, a partir da criação de benefícios, como isenções fiscais, para que mais indústrias tenham interesse em se instalar aqui e absorver essa mão de obra do regime semiaberto”, diz o juiz Eduardo Lino Bueno Fagundes Júnior, coordenador do grupo de monitoramento do sistema carcerário.

Hoje, a Colônia Penal tem cerca de 450 presos que não trabalham. Outros 500 laboram na faxina ou manutenção do próprio presídio. Toda essa mão de obra poderia ser aproveitada pelas indústrias. “É uma mão de obra produtiva muito grande que temos disponível e que poderia ser aproveitada pela empresa para produzir mais barato”, afirma o diretor da CPAI, Ismael Meira.

Exemplo

O projeto, no entanto, é festejado como modelo: possibilita a reinserção do preso à sociedade, ao mesmo tempo em que reduz o custo do encarceramento e implica em benefícios às empresas. “Outras unidades até do regime fechado têm parcerias parecidas, mas nenhum outro modelo no estado funciona tão bem quanto este. Este é o grande exemplo”, diz a advogada Isabel Kügler Mendes, presidente do Conselho da Comunidade na Execução Penal.

“Quando o preso se interessa pelo trabalho e pelo estudo, que são pilares da sociedade, é perfeitamente possível ver que esse período de encarceramento serviu ao preso para que ele volte à sociedade como um indivíduo útil a ela”, avalia Fagundes Júnior.

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