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Repórter da Gazeta do Povo simula compra de permissão: negócio de R$ 65 mil, incluindo Besta ano 2001 | Aniele Nascimento/Gazeta do Povo
Repórter da Gazeta do Povo simula compra de permissão: negócio de R$ 65 mil, incluindo Besta ano 2001| Foto: Aniele Nascimento/Gazeta do Povo

Pais devem desconfiar quando o preço é baixo

A Urbs fez 813 autuações a transportadores escolares no ano passado, a maioria por irregularidade no certificado e na carteira específica para exercer a atividade. Também houve muitos casos de licença vencida, o que tem explicação. O transporte funciona até dezembro e para no período de férias. Se a licença vence nesse tempo, os permissionários deixam para fazer a vistoria quando as aulas retornam. "Passa um, dois ou três dias e nossa fiscalização já atua", diz o gestor da área de táxi e transporte comercial da Urbs, José Carlos Gomes Pereira Filho.

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Lei não é clara

De acordo com a Constituição de 1988 e a Lei Federal 8.987, de 1995, que rege as concessões e permissões públicas, a permissão de qualquer serviço deve sempre ser precedida de licitação. Para o advogado Daniel Ferreira, especialista em licitações, o tema é complexo porque não existe uma definição objetiva do que é serviço público. "As novas permissões só poderão ser concedidas quando houver o entendimento de que a necessidade coletiva está sendo sacrificada por causa do número pequeno de permissionários. Cabe ao município ter essa percepção."

Ferreira lembra que a Lei Geral de Concessões proíbe, apenas, a transferência sem autorização por parte do permissionário. Não fala nada sobre se é gratuita ou onerosa. Todavia, a lei não deixa claro quais são os moldes da transferência. Na Lei Municipal 11.328, de 2004, há menção da possibilidade de sucessão hereditária quando da morte do "permissionário autônomo", o que leva à perpetuidade da permissão.

"O regime jurídico de direito público não admite isso, ainda que o tempo para recuperação do investimento de uma concessão de serviço público fosse de 50 anos, por exemplo". (AP)

Todos os dias, 35 mil crianças usam o transporte escolar na capital paranaense, média de 40 para cada um dos 881 veículos licenciados pela Urbanização de Curitiba S.A (Urbs), gestora do serviço. Com mensalidades entre R$ 75 a R$ 190 por pessoa, o setor movimenta cerca de R$ 5 milhões por mês. Por trás desses valores, no entanto, há um mercado clandestino que gera algo muito próximo das cifras oficiais.

Só no ano passado a Urbs homologou 103 transferências de licenças, 35% a mais do que em 2007. A Lei Municipal 11.328, de 30 de dezembro de 2004, que regula o serviço de transporte escolar em Curitiba, admite a transferência da permissão da exploração desse serviço público, mas restringe a comercialização. O comércio, porém, chega a ser estampado nos classificados de jornal.

As transações clandestinas de licenças do transporte escolar foram comprovadas pela reportagem da Gazeta do Povo em pesquisas a anúncios de jornais e em sites gratuitos na internet. As negociações de bastidores podem ter movimentado até R$ 3 milhões no ano passado, tomando-se por base o número de transferências e o valor médio de R$ 30 mil cobrados por uma licença no mercado paralelo.

A reportagem conversou com oito anunciantes, de diferentes bairros, dispostos a comprar ou vender licenças. Todos disseram ser possível ganhar dinheiro nessa atividade porque a procura pelo serviço cresceu, aumentando também a procura no mercado clandestino devido à falta de novas concessões. A última licitação foi feita pela Urbs em 1999, levando as atuais permissões a passar de mão em mão. O número de transferências aumentou de 76, em 2007, para 103, no ano passado. Já o número de veículos de transporte escolar diminuiu de 889, há 10 anos, para os atuais 881 ônibus, micro-ônibus e vans em circulação.

Nesse mesmo período houve 5.714 matrículas a mais na capital, de acordo com o Censo Escolar do Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Assim, a média de crianças transportadas diariamente aumentou em 29%, passando de 27 para 35 mil, segundo estimativas da Urbs. Hoje são 728 concessões – 639 nas mãos de autônomos e 89 de empresas. O autônomo tem direito a uma licença, enquanto a pessoa jurídica pode ter até 30. O gestor da área de transporte comercial da Urbs, José Carlos Gomes Pereira Filho, diz que não há necessidade de nova licitação, apesar de o número de crianças transportadas e o de veículos terem diminuído.

"A frota foi renovada. Eram muito comuns veículos tipo Kombi, com capacidade menor de transporte. Podem existir casos isolados em algumas regiões, e casos isolados a gente atende isoladamente", diz. Cabe à Urbs, como poder concedente do serviço, e somente através de licitação, escolher quem fará a exploração desse serviço público. As transferências, permitidas pela lei, são entendidas pelo órgão regulador como doação a terceiros. Dessa forma, a venda de licenças não é reconhecida pela Urbs. "Seria uma prática não prevista", afirma Pereira Filho. Contudo, essa prática é tão comum quanto pegar e deixar a criança na porta de casa.

A compra

A reportagem simulou a compra de uma licença. A visita para fechar o negócio aconteceu no fim da semana passado. Recebida pelos Silva (sobrenome fictício), a repórter teve acesso a informações dos bastidores desse mercado paralelo. O casal tem uma empresa de transporte escolar, adquiriu a primeira permissão há dois anos e hoje possui dois carros para atender à clientela nos bairros Xaxim e Pinheirinho. A licença e o veículo, uma Besta, ano 2001, estavam sendo anunciados nos classificados de um jornal de Curitiba por R$ 65 mil.

Solícito, o homem diz que a fiscalização da Urbs é rigorosa. O veículo passou pela fiscalização no início de março e os fiscais elogiaram o bom estado. Ele até orienta a suposta compradora sobre como trabalhar. "É importante manter a segurança e a aparência do veículo. Isso dá confiabilidade e é fundamental para garantir a clientela", explica. Segundo ele, os R$ 30 mil cobrados pela licença seriam usados na entrada da casa própria. "Vamos continuar no serviço com o carro mais novo. A transferência de jurídico para físico é normal. É só levar os documentos (na Urbs) e passar por uma nova vistoria", diz.

O casal só venderá o carro e a licença por extrema necessidade. Se pudesse, ele esperaria, pois há uma perspectiva de valorização. No Congresso Federal há em tramitação propostas que preveem a isenção do IPI (Imposto sobre Produto Industrializado) para os veículos de transporte escolar. Se for aprovada, fará subir o preço de uma permissão no mercado clandestino. "Vai ser igual a (licença) do táxi, que hoje não sai por menos de R$ 130 mil", compara. "Todo mundo que tem licença sonha e reza para que isso aconteça."

Já o transportador escolar Luís (nome fictício) comprou sua permissão em novembro do ano passado por meio de um anúncio de jornal. Na época, pagou R$ 25 mil pela licença, mais R$ 65 mil pelo veículo, um micro-ônibus, ano 2000, com 24 lugares. Além disso, recebeu no pacote o roteiro das escolas atendidas por quem vendeu a licença, uma empresa jurídica sediada no Boqueirão. Luís conta que atende a região do bairro Cajuru e chega a tirar R$ 5 mil por mês. "Não dá para ficar rico, mas é possível viver tranquilo."

O presidente do Sindicato de Operadores do Transporte Escolar de Curitiba (Sindotec), Marcos de Bem, confirma ter conhecimento da situação, mas prefere não falar sobre o assunto.

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