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 | Foto: Marcelo Elias Arte: Felipe Lima
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Com todo respeito ao Dia das Crianças, a data mais divertida do calendário deveria ser o Dia dos Professores. OK – não mexe um dígito no movimento dos shoppings, pois como todo mundo sabe, professor gosta é mesmo de ganhar maçã. A comemoração, contudo, tem o estranho poder de despertar emoções "dormidas nas lancheiras da memória", com perdão à cafonice.

Essas lembranças podem ser a de uma reguada de deixar vergão, mas também a daquela aula que mudou nossas vidas. Não raro, tais recordações vêm acompanhadas de trilha sonora – ora é Ataulfo Alves cantando "que saudade da professorinha". Ora a voz pequena de Lulu nos deixando coração mole em "To sir with love".

Acho impossível passar pela escola sem encontrar pelo menos um mestre com carinho. E tenho cá para mim uma teoria maluca – a de que podia ser de lei, sei lá, a gente ter acesso ao endereço de quem nos pôs a ler e escrever. Dia 15 de outubro seria hora de agradecê-los com serenata na janela. Onde andarão tia Diana e tia Enil? Não sei.

Tive sorte com professores. De alguns deles lembro nome e apelido. E só não puxo conversa com os que trombo por aí temendo que me achem um doido varrido e chamem o guarda. Mas com dona Laís Primerose Groff foi diferente. Terminei o ginásio, mas ela se manteve por perto, um luxo, formando uma pequena rede de "pedrocas", como batizou seus ex-alunos. A ela.

Laís deu aulas de Educação Artística no Colégio Estadual Pedro Macedo, no Portão, a partir de 1964. Em 1966, comprou um Volkswagen cinza, transformado em sua marca registrada. Fui apresentado ao Fusquinha quando cheguei, em 1975, e tomei-o por algo mais importante do que um monumento ao Duque de Caxias. E também ao apito, que ela punha para funcionar sempre que o recreio saía do controle. "Pau, pau, pau..."

Ainda hoje me surpreendo ao pensar que dona Laís dava uma mísera aula por semana e, mesmo assim, sua disciplina ameaçava a popularidade da Educação Física, dadas pelo Nelsinho, de quem eu me pelava de medo. Tenho hipóteses.

Dona Laís fazia parte da Curitiba para a qual trabalhavam nossos pais operários. Era filha do cineasta João Baptista Groff, ex-aluna do pintor Guido Viaro e do maestro Antônio Melillo. Fora criada nas artes e nas letras, nos portos e aeroportos. Sua escolha generosa pela escola pública ergueu sobre nós uma Rio-Niterói, aumentando nossas divisas.

Ela ia à Europa com a facilidade com que atravessávamos a rua para comer coxinha no bar do Nicolas. Dá para imaginar a cara da piazada quando nos mostrava slides da última viagem à Itália. Foi ali, entre a República e a Rápida, que pela primeira vez vi a Praça de São Pedro. Quando estive lá, uma eternidade e mais um dia depois, lembrei-me da mulher que plantou em mim esse desejo.

E havia o "Hino Nacional", que dona Laís ensaiava com se fôssemos os Canarinhos de Petrópolis. "O mais bem cantado da cidade", atesta ainda hoje, do alto de seus impronunciáveis 88 anos, debaixo dos mesmos olhos azuis cristalinos, sobrancelhas arqueadas e nem um pingo sequer de afetação.

Encontrei-a esta semana. Soube da venda do Volks 66 – para o Gílson, o mais dileto dos ex-pupilos. Contou-me dos que gritam seu nome quando a veem. Dia desses, um a suspendeu do chão. De outra feita, ao avistá-la, um pedroca em transe abriu os braços como se fosse o Redentor. "Pensei que era um assalto."

Na saideira, perguntei o que fez dela uma professora tão especial. Talvez uma visita de guria ao sótão dos avós imigrantes. Qual uma espiã, abriu um baú e encontrou jornais em francês, alemão e italiano. Levou um sabão. Mas virou cu­­rio­­sa profissional. Nos 50 minutos que tinha de aula nos ensinava a fazer o mesmo – a xeretar baús.

Obrigado, dona Laís. Uma or­­questra de apitos para a senhora.

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