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“É de conhecimento geral que os romanos foram geniais na criatividade do Direito, estabelecendo as bases da consciência jurídica universal.”
Aloísio Surgik, professor de Direito Romano | Walter Alves/Gazeta do Povo
“É de conhecimento geral que os romanos foram geniais na criatividade do Direito, estabelecendo as bases da consciência jurídica universal.” Aloísio Surgik, professor de Direito Romano| Foto: Walter Alves/Gazeta do Povo

Uma grande parcela das pessoas que se formaram em Direito nas últimas quatro décadas, em Curitiba, teve como professor o advogado Aloísio Surgik. Aposentado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) em 1992, onde foi professor por mais de 20 anos, Surgik dá aulas na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) desde 1976, no Centro Universitário Curitiba (desde 1984), na Uni­versidade Tuiuti do Paraná (desde 1993), na Faculdade Inter­nacional de Curitiba (desde 2004) e, em Santa Catarina, na Universidade do Contestado (desde 1999).

Herói da resistência, ele segue ensinando e transmitindo sua paixão pelo Direito Romano a quem quiser ouvir – mesmo que a disciplina seja hoje matéria optativa em cada vez menos instituições. "É de conhecimento geral que os romanos foram geniais na criatividade do Direito, estabelecendo as bases da consciência jurídica universal. Daí sua importância não só no Brasil, mas em toda a chamada Civilização Ocidental. Como bem disse Pierre Grimal [historiador e latinista francês], nada do que nos rodeia seria o que é se Roma não tivesse existido", defende o professor, que é graduado em Direito pela UFPR e doutor pela Universidade de São Paulo – além de formado em Filosofia e Letras.

Parte dessa extensa bagagem jurídica acumulada por Surgik está contida em sua obra Viajando pela História – do Direito Romano ao Contemporâneo (Edições Livro é Cultura), lançada neste mês em Curitiba e que reúne algumas das principais teses do professor.

Em que medida o Direito Ro­­­mano ainda influencia o Di­­­reito Contemporâneo?

A influência mais marcante concentra-se no Direito Civil, em que, infelizmente, ao longo da História, o Direito Romano sofreu deturpações, principalmente por influência do Baixo Império, através das famosas interpolações de Justiniano. É aí que hoje se faz necessário um intenso estudo, para o resgate do autêntico Direito Romano popular da época da República, que foi de uma riqueza imensa. Já no campo processual, a herança tipicamente romana manifesta-se abundantemente, por exemplo, nas ações populares, no mandado de segurança, nas medidas cautelares, no habeas corpus.

Por falar em campo processual, o Código de Processo Civil (CPC) está em via de ser alterado por projeto que tramita no Con­gresso. Em sua avaliação, o que precisa ser alterado no atual CPC?

Conforme avaliação de estudiosos, esse projeto que tramita no Congresso pode reduzir em pelo menos 50% a morosidade dos processos. Eu, por exemplo, venho atuando como síndico de um processo de falência desde fevereiro de 1971 e o caso ainda está longe de chegar ao fim. Assim, partindo da minha experiência como advogado e estudioso do Direito Romano, digo que essa redução de 50% no tempo dos processos não é nada significativa, se compararmos com a prática romana que geralmente resolvia os casos em oito ou dez dias, no máximo. Hoje, quando se faz uma reforma, geralmente ela mais deforma do que reforma. Daí pergunto: por que não voltarmos ao estudo do Direito Roma­­­­no, ao invés de ficarmos procurando meros paliativos na busca de soluções para a crise do Direito?

O sr. é um entusiasta do latim, língua que ainda hoje é bastante aplicada no Direito. Esse uso de termos em latim não dificulta o acesso ao Direito e à Justiça?

Ao contrário, o que dificulta o acesso ao Direito e à própria Justiça é precisamente a ignorância do latim, hoje, lamentavelmente, ignorância oficializada, dado o abandono total do seu estudo. Toda a nossa cultura sofre com esse desprezo ao latim.

O sr. é advogado desde 1968. Como analisa as mudanças no Direito e na Justiça brasileiros nesses mais de 40 anos de atividade jurídica?

Infelizmente, mudou para pior. Apesar dos maravilhosos progressos da tecnologia, que facilita a vida humana em muitos aspectos, no campo do Direito e da Justiça parece que estamos retrocedendo. É muita burocracia, muita inversão de valores e lamentável despreparo de muitos profissionais. Mas aposto no futuro. Certamente os jovens construirão um mundo melhor. O sr. também é formado em Fi­­­losofia. Hoje, os estudantes de Direito buscam o estudo de fórmulas práticas, deixando de la­­do matérias da propedêutica jurídica, como a Filosofia. Qual é a importância da Filosofia para o Direito?

O pragmatismo decorrente da ilusão capitalista busca três coisas: lucro, lucro e lucro. Costumo dizer que meu compromisso com os alunos não é o de impor "conhecimentos" na busca imediata de dinheiro fácil e inconsistente. Prefiro ajudá-los a pensar. Aí entra a importância da Filosofia. O hábito de decorar fórmulas para fins imediatistas faz-me lembrar a grande lição que recebi do saudoso Professor Moacyr Lobo da Costa, meu orientador na tese de Dou­­­torado: "Não vamos plantar couve hoje para colher amanhã; vamos plantar árvores de grande porte que desenvolverão seus troncos robustos daqui a muitos anos e renderão frutos perenemente".

São famosas, no meio jurídico, suas posições contra as cobranças de pedágio e de EstaR. Por quê?

Tais cobranças são uma verdadeira agressão à inteligência humana. Estavam certos os romanos ao entenderem o espaço público como coisa fora do comércio (res extra commertium). Hoje, o sistema capitalista inventa as formas mais absurdas de espoliação do patrimônio público, sob disfarce de parceria público-privada (na verdade "privataria", para não dizermos pirataria). E com a cumplicidade até mesmo das leis, que hoje são produtos do Estado, nem sempre do povo. Que fundamento podemos encontrar, por exemplo, nas leis de concessões, se é de elementar conhecimento que ninguém pode dar o que não tem (nemo dat quod non habet), ou seja, nenhum governante é dono do espaço público para poder entregar a aproveitadores de ocasião?

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