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Instabilidade: Amilton pagou a última parcela da Cohab há oito anos, mas está sem a escritura do terreno | Priscila Forone/Gazeta do Povo
Instabilidade: Amilton pagou a última parcela da Cohab há oito anos, mas está sem a escritura do terreno| Foto: Priscila Forone/Gazeta do Povo

Efeitos

Violência é reflexo da instabilidade

A falta de posse dos terrenos tem como reflexo a instabilidade e a desagregação em comunidades como a Vila Verde e o Bolsão Sabará, avalia o coordenador do Movimento Popular por Moradia, Paulo Bearzoti Filho. Para ele, as ocupações foram feitas com o estímulo velado ou explícito do poder público, que promoveu o reassentamento de famílias.

Com a falta de regularização dos terrenos, as comunidades fi­­cam à margem da sociedade, sem endereço, água e luz regularizados. E se tornam mais vulneráveis a po­­­líticos mal-intencionados que buscam votos em troca de favores. "Frágeis, as pessoas se tornam ví­­timas do clientelismo. Não há um exercício de cidadania", avalia. Na esteira desse processo, ele lembra que a precariedade institucional pode gerar fatores como a violência. "É incrível que a Cohab ainda não tenha conseguido atender a um desejo tão elementar da população".

Vila Verde

Veja quando começou a ocupação da região e quais são os principais serviços públicos oferecidos à comunidade:

População: 11.199 moradores

Área: 975 mil m2

Primeiras ruas: Emilio Romani e José Emilio de Paula

Obra em execução: Eixo Viário de integração

Loteamento: Iniciou em 1984 por meio da Cidade Industrial S.A, atualmente Curitiba S.A, ligada à prefeitura e responsável por coordenar as políticas públicas de regularização fundiária das empresas, pessoas e instituições instaladas na capital e na região metropolitana. Em 1985, 650 famílias foram contempladas com loteamentos pelo Programa Prolocar, coordenado pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc) e pelo extinto Departamento de Desenvolvimento Social (DDS).

Em 1990, a Cohab fez mais três novos loteamentos, denominados Vila Verde III, IV e V. Em 1995, teve início a regularização dos lotes da região.

Estrutura: as vilas abrigam duas escolas municipais, participantes do Comunidade Escola; um colégio estadual, um Farol do Saber, uma Casa da Comunidade, um Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), uma Unidade de Saúde, um Armazém da Família, dois bosques e duas áreas de lazer.

Fonte: Regional CIC

Bolsão Sabará

Veja quando começou a ocupação da região e quais são os principais serviços públicos oferecidos à comunidade:

População: 12.154 moradores

Área: 575 mil m2

Primeiras ruas: Herecê Fernandes e Antonio Pastre

Loteamento: iniciaram por volta de 1985, com a ocupação de famílias nas Vilas Conquistas e Marisa. Inicialmente, era formado por 190 famílias provenientes do bairro Campo Comprido.

Estrutura: o Bolsão Sabará agrega oito vilas. No espaço existe um Armazém da Família, uma escola municipal, um Centro Municipal de Educação Infantil, um Centro de Educação Infantil conveniado, uma Unidade de Saúde e o Bosque São Nicolau. A Fundação de Ação Social da prefeitura de Curitiba mantém na região o programa de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF), que prevê o cadastro único e a oferta de programas sociais, a concessão de benefícios eventuais emergenciais e cursos de qualificação profissional pelo Liceu de Ofícios Caic Cândido Portinari.

Conforme o índice de vulnerabilidade social e familiar, identificado a partir do cadastro único, existem na área 7 mil famílias em condições socioeconômicas vulneráveis.

Fonte: Regional CIC

Há oito anos Amilton Martins de Oliveira, 51 anos, espera ser dono de fato e de direito do terreno onde mora, na Rua Herculano de Araújo Filho, 108, na Vila Verde, no bairro Cidade Industrial de Curitiba (CIC). O último recibo emitido pela Com­pa­nhia de Habitação Popular (Co­­hab) de Curitiba, no valor de R$ 52,67, foi pago em 2003. De lá para cá, a escritura ainda não foi emitida. Assim como ele, 5,5 mil famílias da CIC esperam ansiosamente pela regularização dos seus terrenos, localizados em áreas invadidas ou comprados por terceiros, nas últimas décadas. O número re­­presenta 74% das áreas que ainda precisam ser regulamentadas pela Cohab e pela Companhia de De­­sen­­vol­vimento de Curitiba (Curitiba S.A). As restantes estão nos bairros Sítio Cercado e no Cajuru.

A tentativa de normatização por parte das duas empresas de economia mista já vem de longa data. Nos anos 90, a Cohab firmou um Termo de Concessão de Uso do Solo (TCUS) com 31,5 mil pessoas, a fim de garantir às famílias a permanência na área ocupada irregularmente. No entanto, em 2010 o Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou o acordo inválido. No parecer, o STJ afirma que houve desrespeito à lei de parcelamento do solo e que os moradores só poderiam pagar pelos terrenos depois que a Cohab conseguisse desmembrar as áreas no registro de imóveis. O que não ocorreu. O caso está pendente na Justiça e os moradores entraram com uma ação coletiva solicitando usucapião (direito de posse adquirido por uso ininterrupto do bem em questão) e indenização pelas prestações pagas.

A dificuldade documental é confirmada pela diretora-técnica da Cohab, Teresa Elvira Gomes de Oliveira, como parte dos problemas de regularização enfrentadas nessas duas décadas. Atualmente, há 7,4 mil contratos em avaliação. A diretora afirma que quase todas as áreas em questão pertecem ao município: somente duas, na Vila Eldorado e no Morro do Jura­mento, localizadas na CIC, são particulares. "Hoje há um consenso de que quem pagou terá direito a seu lote. A anulação pelo STJ foi uma discussão política". A perspectiva é que até o fim de 2012 todos os TCUS já estejam regularizados.

Vila Verde e Sabará

Somente a Vila Verde e o Bolsão Sabará, ambos na CIC, representam 59% dos 5,5 mil TCUS que ainda aguardam a normatização. Conforme informações da Cohab, a Vila Verde, com 975 mil m2 e subdividida em cinco loteamentos, é a única região que está integralmente em processo de análise. No local existem 2.062 famílias à espera de uma decisão.

Isaque Francisco Gonçalves, 33 anos, chegou à Vila Verde aos 8. Os pais vieram de São Paulo. O lote sorteado na Rua Emílio Romani ganhou o número 2.279, e as parcelas pagas até 1985 ainda não renderam o documento que o levaria a chamar o terreno de seu. Na época, as famílias receberam a notícia de que os títulos só seriam emitidos quando 60% dos moradores realizassem a quitação. "Minha mãe morreu em 2007 e nunca vi­­mos a cor do título de posse", diz. Além da necessidade de desmembramento das matrículas existentes em uma mesma área, Tereza, da Cohab, inclui as questões am­­bientais como fatores que atrasam o processo. "É um mosaico", conclui.

Sabará espera decisão sobre usucapião

No Bolsão Sabará, o número de contratos a serem regularizados pela Cohab é menor do que na Vila Verde: há 1.214 famílias à espera da escritura do terreno. A situação, porém, é mais complexa. Mais de mil moradores das vilas Esperança, Nova Conquista e Eldorado, que compõem a complexa zona de ocupação, entraram em 2008 com uma ação coletiva de usucapião, fruto de um projeto de regularização sustentável feito em parceria com o Ministério Público. As ações tramitam na 1.ª e na 4.ª varas da Fazenda Pública, e na 19.ª Vara Cível de Curitiba, respectivamente – mesmo com a decisão do STJ de anular os Termos de Concessão de Uso do Solo emitidos pela Cohab.

Entre os moradores que aguardam a decisão está o presidente da Associação de Moradores das vilas Esperança e Nova Conquista, Osmano Reis, que também integra uma ação coletiva de usucapião aberta em 2002. "É um absurdo tanto tempo de espera. Muitas famílias deixaram de comprar roupas e alimentos para os filhos com o objetivo de pagar o lote", diz.

Na Nova Conquista são 516 unidades, e na Vila Esperança, 221. Na área particular da Vila Eldorado, há mais 477 famílias que aguardam por uma decisão. A diretora-técnica da Cohab Curitiba, Teresa Elvira Gomes de Oliveira, afirma que a única pendência está na retificação das medidas dos lotes, em função de matrículas que não haviam sido desmembradas. Segundo ela, a ação coletiva de usucapião é controversa, já que o instrumento não se aplica a áreas públicas.

Legalidade

O advogado da Terra de Direitos, Thiago Hoshino, que atende às famílias do Bolsão Sabará, informa que, quando for emitida a sentença das três ações, o documento servirá como instrumento hábil para registro em cartório. Em um primeiro momento, a associação de moradores que entrou com a ação será proprietária da área e, na sequência, haverá a distribuição dos lotes e averbação individual conforme a configuração atual. Ele lembra ainda que a decisão do STJ que prevê a anulação dos Termo de Concessão de Uso do Solo não estipulou um valor de ressarcimento para as famílias.

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