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O avanço de um mundo paralelo, que confunde as esferas pública e privada, tem colocado as três universidades estaduais de São Paulo – USP, Unesp e Unicamp – na mira de tribunais de contas, Judiciário e Ministério Público. Intermediações de convênios federais com terceirização de serviços, aluguel de espaço público, gestão de verbas da própria universidade e cobrança de taxas de administração são algumas das irregularidades envolvendo a atuação de fundações privadas ligadas às universidades. A cobrança por cursos continua ganhando espaço.

Aulas Pagas

Pelo menos duas ações civis públicas correm na Justiça de São Paulo contra a cobrança de cursos nas universidades públicas do Estado. Foram abertas contra a Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade Estadual Paulista (Unesp). No dia 9 de março, o desembargador Ferreira Rodrigues acatou os argumentos do recurso pedido pelo Ministério Público Estadual (MPE) no caso da USP, mas remeteu a decisão para análise do pleno do Tribunal de Justiça.

A ação foi iniciada em 2005, período em que o debate na comunidade acadêmica sobre fundações foi muito tenso. Na época, alunos chegaram a invadir uma reunião do Conselho Universitário. Apesar disso, o assunto nunca foi regulamentado de uma forma que a polêmica terminasse - apesar de alterações importantes, como a saída das sedes da fundações de dentro das áreas da universidade.

Já em 2012, o MPE ingressou com uma ação civil pública contra a atuação de uma fundação na Unesp. O motivo novamente era o uso do espaço da universidade para a oferta de cursos pagos de especialização pela Fundação Para o Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico (FDCT), em Guaratinguetá, interior do Estado.

O juiz Alexandre Jorge Carneiro da Cunha Filho manteve no dia 27 de janeiro de 2015 petição a inicial da promotoria, dando continuidade ao processo, mas negou liminar que pedia a imediata suspensão da oferta de cursos e uso do espaço da universidade. Ao negar a liminar, Cunha Filho ressaltou que a “a questão não encontrou consenso” no judiciário e no própria MP.

Para o presidente do Associação dos Docentes da Unesp (Adunifesp), Milton Vieira do Prado Junior, as fundações minam o caráter público da universidade. “É um espaço público gerando produto privado dentro da universidade”, diz ele. “Essas instituições dão um retorno muito pequeno de arrecadação para a universidade, por exemplo.”

A Unesp defende que os cursos oferecidos pela FDCT com a participação de professores da Faculdade de Engenharia da Unesp de Guaratinguetá estão de acordo com a legislação da universidade. “As aulas são em salas da Unesp, mas em contrapartida, a unidade e o Departamento envolvido recebem 30%”, ressalta a universidade.

Um mesmo convênio com outra fundação, a Fundunesp, da conta de três atividades completamente diferentes: da infraestrutura para o funcionamento da TV Universitária, da Agência de Inovação e do Núcleo de Ensino à Distância da Universidade. A Unesp ressaltou que a Fundunesp é auditada por empresas especializadas e, no âmbito da ISO9001, a adutoria é feita pela Fundação Vanzolini - fundação privada de apoio que nasceu na Escola Politécnica da USP. Segundo levantamento da Adunifesp, todas as 32 unidades da Unesp tem fundações privadas de apoio.

Uma das principais fundações de apoio à USP, a FUSP, foi questionada pela Controladoria-Geral da União (CGU) em dezembro. Ela aparece como titular de um convênio com o Ministério da Cultura para um projeto de uma incubadora ligada à pró-reitoria de Cultura e Extensão da USP, a Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares (ITCP). Além de intermediar o serviço, o que é ilegal, a FUSP ainda subcontrataria uma ONG, chamada Capina, para o projeto de economia criativa. Também cobrava no seu plano de trabalho um aluguel de R$ 79 mil de um dos espaços públicos da universidade.

Depois que a CGU reprovou o convênio, de R$ 502 mil, a União congelou o repasse. A USP informou que trabalha para avançar com a proposta, argumentando que a “interrupção tem acarretado desmobilização da equipe e dos empreendimentos”.

Na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), as atribuições de uma fundação privada, a Funcamp, se misturam com as da própria instituição, assim como a gestão dos recursos. Ela gerencia almoxarifados, reforma e gere hospitais (há um convênio no valor de R$ 711 mil com o Hospital das Clínicas) e cobra taxa de administração de 6%. São atividades não permitidas e distantes da finalidade da fundação. A Funcamp também recebeu recursos originários da universidade, como taxas de inscrição em vestibulares, de formaturas, comercialização de livros, publicações de periódicos, venda de camundongos, softwares, mudas, plantas e realização de eventos.

Praticamente toda atuação da Funcamp foi considerada irregular pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) no fim do ano passado. O TCE viu como uma “terceirização exagerada” as ações passadas pela Unicamp à fundação. Para tocar várias atividades, a universidade prorroga um convênio com a Funcamp desde 1987 _ o que por si só já viola a legislação.

O uso de salas do câmpus Guaratinguetá da Universidade Estadual Paulista (Unesp), no interior de São Paulo, para que a Fundação Para o Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico (FDCT) ofereça cursos pagos é aceito na instituição. O Ministério Público, entretanto, já questionou na Justiça e ação está em trâmite ([ITALIC]mais informações nesta página[/ITALIC]).

Realidade. Quase sempre criadas por professores universitários, as fundações de apoio podem firmar convênios com empresas, esferas governamentais _ com autorização de dispensa de licitação _ e com a própria universidade. Por elas, professores são contratados e pagos, mesmo que muitos sejam de dedicação exclusiva. Os ganhos podem ser até cinco vezes maior do que o salário como servidor de dedicação integral, segundo estimativa da Associação de Docentes da USP (Adusp).

Os sindicatos das estaduais, bem como a representação nacional (Andes), têm uma luta histórica contra o processo de privatização que as fundações estimulam. “Essa relação fere o princípio da separação entre público e privada, não há transparência”, diz o presidente da Adusp, Ciro Correia. “Se um professor está nessa situação, ele está mais vinculado à fundação ou à universidade?”. questiona.

Parte do dinheiro de contratos e cursos pagos vai para as unidades, que pode chegar a 30%, A universidade fica com 5%. Em 2014, a USP recebeu R$ 4 milhões com cursos pagos oferecidos pelas fundações, o que indica uma movimentação de R$ 88 milhões com esses cursos. Algumas dessas formações custam cerca de R$ 30 mil.

A USP tem um fundo específico para essas taxas. Em março, o saldo dessa poupança era de R$ 15,4 milhões. Valor irrisório perto dos negócios das fundações. Só a FUSP recebeu R$ 740 milhões em projetos da instituição entre 2007 e 2013. Segundo a reitoria, 16 fundações das mais de 30 fundações que existem na USP têm 197 convênios com a própria universidade _ a FUSP tem 26. A própria universidade informou que só as fundações poderiam indicar seus recursos totais.

O atual presidente da FUSP, José Roberto Cardoso, defende que o modelo é imprescindível para a agilidade de processos de contratação na universidade e também para o desenvolvimento de pesquisas, intensificando a interlocução com o setor produtivo. “As fundações surgiram como uma oportunidade de o professor aumentar seus ganhos mesmo dentro da universidade e não sair para o mercado. Mas não é só o dinheiro, o professor quer realizar os trabalhos que a universidade não tem oportunidade de tocar sozinha”, diz ele, que já foi diretor da Escola Politécnica e se candidatou ao cargo de reitor no último pleito. “A sociedade não pode partir do pressuposto que só tem desonestidade na fundação”.

Na Unicamp, a Funcamp administrou R$ 377 milhões provenientes de 1.183 convênios e contratos envolvendo as áreas de atuação da Unicamp em 2013. Os cursos cobrados de extensão se traduziram em R$ 16 milhões em 2013. A universidade, entretanto, não respondeu aos questionamentos da reportagem sobre a Funcamp.

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