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Aluno de Lange, Mirtillo Trombini mostra a reprodução que fez de um autorretrato do pintor | Daniel Castellano / Agência Gazeta do Povo
Aluno de Lange, Mirtillo Trombini mostra a reprodução que fez de um autorretrato do pintor| Foto: Daniel Castellano / Agência Gazeta do Povo

Natureza

Entre a arte e a ciência

Ao lado da pintura, a malacologia – ramo da biologia que estuda os moluscos – sempre foi uma das grandes paixões de Lange de Morretes. "Tanto que, entre 1936 e 1941, ele reduziu a produção artística, para trabalhar como curador do setor de Moluscos do Museu Paulista e depois como professor de Paleontologia da Universidade de São Paulo (USP)", informa o pesquisador Luis Afonso Saltur. A filha mais velha do artista, Bertha, de 92 anos, também lembra dessa paixão paterna. "Enquanto não estava pintado, ele estava fazendo expedições com a minha mãe. De Matinhos à Ilha do Mel, o dois andaram por todo o Litoral em busca de novos espécimes de caramujos", diz. "Meu pai sempre nos ensinou a respeitar e cuidar da natureza. Como artista, ele também foi um dos primeiros a fazer obras com viés ecológico."

  • Nhundiaquara e Pico Marumbi (1934), obra de Lange de Morretes de coleção particular
  • Vista do Pico Marumbi a partir do túmulo de Lange de Morretes
  • O artista no Pico do Marumbi esboçando um desenho em 1928. A foto é de João Baptista Groff

Morretes - Durante a vida, o pintor e cientista Frederico Lange de Morretes se debruçou sobre a natureza do Paraná. Após a morte, em 19 de janeiro de 1954, não foi diferente. No cemitério de Morretes, o artista nascido em 1892 repousa em pé, de frente para ao Pico Marubi, adornado por pedras da montanha, plantas nativas e caramujos – animais que pesquisou por tantos anos.

"Na época, muitos acharam estranho o pedido de Lange para ser enterrado em pé. Mas essa foi a forma de ele demonstrar respeito à montanha que tanto frequentou e retratou. É como se ele pudesse ver o Marumbi mesmo após a morte", diz o historiador, ambientalista e montanhista Paulo Henrique Schmidlin, 79 anos, que conheceu o pintor no início da década de 1950 em Curitiba.

Apesar de estar eternizado em Morretes, Lange expandiu os seus limites para além dos morros da cidade. Depois de passar a infância em Morretes, onde teve as primeiras aulas de pintura com Alfredo Andersen (1860 -1935) – considerado o pai da pintura paranaense –, Lange se mudou com a família para Curitiba. Aos 18 anos, seguiu para a Alemanha. "Foi por intermédio de Andersen que Lange conseguiu uma bolsa de estudos para aperfeiçoar sua pintura nas cidades de Leipzig e Munique", conta o pesquisador e sociólogo Luis Afonso Salturi, que concluiu uma dissertação de mestrado sobre Lange em 2007 e agora prepara um livro sobre o artista. Segundo Salturi, foi na Alemanha que Lange acrescentou o Morretes a seu nome, visto que lá, o sobrenome Lange era muito comum. "Foi uma forma de ele se diferenciar e demostrar que tinha orgulho de sua origem", diz Salturi. Na Alemanha, Lange ainda desenvolveu estudos de zoologia e casou com a cantora lírica Bertha Bamberger.

Um novo homem

Voltando ao Brasil em 1920, casado e com filhos, Lange deu início a uma sólida carreira no mundo das artes e da ciência. Instalado em Curitiba, o pintor fez suas primeiras exposições, agradando a crítica com sua técnica impressionista e seus motivos paranistas. Ao lado de amigos como João Turin (1878-1949) e João Ghelfi (1890-1925), destacou-se ao captar o espírito das paisagens paranaenses. A força das cataratas e a imponência dos pinheiros foram algumas das imagens que mais estiveram presentes em suas telas, que também retrataram cenários do Litoral.

Nesta fase da vida, as aulas de pintura eram a fonte de sustento de Lange. "Entre 1933 e 1934, ainda adolescente, tive o prazer de ter aulas com o Lange", lembra o industrial e pintor morretense Mirtillo Trombini, de 90 anos. "A técnica de desenho eu aprendi com ele, em aulas que aconteciam na sua casa, na Rua Coronel Dulcídio", diz Trombini, que até hoje guarda uma reprodução sua de um autorretrato do mestre.

Depois de uma temporada em São Paulo, Lange participou do movimento que criou a Escola de Música e Belas Arte do Paraná (Embap), onde se tornou professor, assim que a escola foi inaugurada em 1948. Nessa época, porém, colegas próximos afirmavam que Lange andava melancólico e já anunciava a data de sua própria morte. "Para maior surpresa dos amigos, (Lange) veio a falecer no tempo por ele previsto. Na ocasião, eu me encontrava em Curitiba, montando uma exposição, e foi com grande pesar que tive conhecimento do sucedido", escreveu o pintor Theodoro de Bona (1904-1990) em seu livro de memórias Curitiba Pequena Montparnasse.

Se Lange de Morretes andava mesmo depressivo e teria vislumbrado a própria morte – opiniões refutadas pela filha Bertha Lange de Morretes e pelo pesquisador Luis Afonso Salturi – ninguém poderá saber ao certo. Mas fato é que ele já havia determinado a seus amigos a maneira como queria passar o resto de seus dias: em pé, como um altivo pinheiro, mirando ao longe o enorme Marumbi.

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