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A manifestação tradicional acontece mais vezes durante a temporada: Bar Akdov é o ponto de encontro dos fandangueiros | Fotos: Jonathan Campos/ Gazeta do Povo
A manifestação tradicional acontece mais vezes durante a temporada: Bar Akdov é o ponto de encontro dos fandangueiros| Foto: Fotos: Jonathan Campos/ Gazeta do Povo

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Folclore atrai mais turistas

Considerado bem imaterial do Sul do Brasil pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em 2011, o fandango atrai turistas e músicos profissionais ao Litoral do Paraná. No baile ao qual a reportagem da Gazeta do Povo compareceu, em Superagüi, cerca de dois terços dos frequentadores eram turistas.

Por causa do interesse durante a temporada, as rodas passam a ser formadas todos os dias, e com a participação de "estrangeiros", como Graciliano Zambonim, de 28 anos. Ele é músico profissional em Curitiba e há dez anos estuda o estilo. "O fandango tem uma linguagem diferente de tudo o que existe", defende. Ele e outros entusiastas desenvolvem um trabalho de divulgação e manutenção do folclore. O blog fandangodoparana.blogspot.com, criado pelo rabequista de Morretes Marcos Flavio Malucelli, teve 13 mil visitas em um ano. "A tradição não vai acabar", acredita Zambonim.

  • Seu Alcides, de 94 anos, exercita a dança do fandango e ensina às turistas enquanto o grupo toca
  • Zé Squinine e sua velha viola

Zé Squinine sabe que precisa consertar sua viola. Há algum tempo, o instrumento de 80 anos – a mesma idade do dono – repousa inutilizado em uma capa de couro desgastado. Das oito cordas, três permanecem, ainda que desafinadas. A madeira talhada à mão apresenta várias ranhuras, cicatrizes do tempo em que o instrumento cadenciava os bailes de fandango da Ilha de Superagüi, um vilarejo de 700 habitantes pertencente ao município de Guara­­queçaba, no Litoral do Paraná.Mas Zé Squinine não vai consertar sua viola. O agricultor e pescador aposentado conta que os problemas de visão já o impedem de executar a tarefa minuciosa. A outra alternativa – levar o instrumento até uma casa especializada em Paranaguá –, ele considera cara e inócua. Há tempos, os bailes já não reúnem a mesma quantidade de frequentadores. E os que vêm são do tempo em que o ritmo típico do Litoral paranaense era executado naquela viola durante horas a fio, noite adentro. Mesmo consertado, o velho instrumento pouco seria apreciado pelos novos ouvidos da ilha.

O fandango está ameaçado em Superagüi. Hoje, a tradição se mantém pela reunião de antigos mestres e apreciadores sexagenários, que aprenderam a música e a dança em um passado de semi-isolamento em relação ao continente. Os jovens, eles afirmam, relegam o folclore local e compartilham entre si os ritmos comerciais que chegam – com cada vez mais potência – pela tevê parabólica e o rádio de ondas curtas.

História

O ingresso do fandango na comunidade de Superagüi está relacionada à aceleração da colonização da ilha por agricultores, pouco antes da metade do século passado. Vindos principalmente das outras cidades do Litoral do Paraná, onde o fandango se de­­senvolveu e resiste com mais força, levaram o folclore na mudança para a ilha. As características do fandango (roda de instrumentos e dança coletiva em linha) tornaram-se propícias à confraternização entre as famílias, que se reuniam após o fim do dia de trabalho.

Foi nesse período que Squi­­nine, seu irmão já falecido e outros mestres aprenderam a fabricar, temperar (afinação rústica), tocar o instrumento e compor as músicas. "A maioria do povo chegava da roça e já começava a tocar e cantar", lembra ele, entre goles de cerveja, sentado embaixo de um quadro com a velha guarda do fandango. Na foto, ele aponta o violeiro Anto­­nio Eleotério, que faleceu há poucos meses, aos 85 anos, e desfalcou a equipe. "A cultura do fandango está indo embora. Os jovens caíram fora, não querem aprender", lamenta.

O "cair fora" a que se refere Squinine significa, na maioria das vezes, atravessar a baía e fixar residência na cidade de Parana­­guá, onde há mais oportunidades de emprego. A agricultura de subsistência praticada na ilha teve de ser gradualmente interrompida a partir do início dos anos 1980, quando começou um longo processo para tornar Superagüi uma área de proteção ambiental.

No final daquela década, foi criado o Parque Nacional do Superagüi, com 34 mil hectares de mata atlântica, dunas, restingas e manguezais. O trabalho para os nativos ficou restrito à pescaria, pequeno comércio e o atendimento a turistas, motivando um processo de migração que se faz sentir no cotidiano da ilha. "Concordo com a rapaziada", revela Squinine. "Quem não pesca, o que vai ficar fazendo aqui?"

Redescoberta da arte ocorreu dez anos atrás

Em 1996, o guitarrista e produtor musical norte-americano Ry Cooder viajou para Cuba à procura dos músicos tradicionais da ilha, proscritos 40 anos antes pela ditadura Castro. Encontrou-os vivendo modestamente, tornados agricultores ou aposentados compulsórios do regime. Do reencontro promovido pelo gringo surgiu um disco que vendeu 5 milhões de có­­pias, um Grammy, um filme do diretor alemão Wim Wenders e um Oscar.

Em Superagüi, o potencial Ry Cooder caiçara atende pelo nome de Laurentino Souza. Tem 52 anos, e há 30 é proprietário do bar Akdov (sim, "vodka" escrito ao contrário). Dez anos atrás, à procura de uma atração para o estabelecimento, ele deu uma volta a pé pela Ilha de Superagüi e arregimentou os mestres fandangueiros para o boteco. O bar ganhou animação, e os músicos ganharam um surdista esfoçardo. "Vem gente de tudo quanto é lugar do mundo. O que deixou essa ilha um pouco famosa foi o fandango", orgulha-se.

Com os mestres, voltaram também antigos arrastadores de pé tornados órfãos pela falta de bailes em sequência. O mais ilustre deles é seu Alcides, de 94 anos. Ele é o preferido das turistas. Posa para fotos e tem a honra de ser chamado para dançar pelas mulheres. Línguas maldosas no bar dizem que as preferidas dele são as moças altas. O cenário atual do fandango na ilha não parece preocupá-lo. "Tá bom. Tá bom", limita-se a comentar.

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